Castelo com raízes

Castelo com raízes

Passei a infância à sombra de uma árvore. Suas raízes aparentes, entrecortadas, eram as paredes dos cômodos da casinha que saía de minha imaginação. Meus brinquedos mobiliavam os quartos de madeira, eu fazia comidinha com as frutas da árvore, uma bolinha grudenta que ninguém comia, só minhas bonecas.

Algumas vezes, aquelas frutinhas tornavam-se bois e vacas. As patas e os chifres eram gravetos que eu encontrava no chão.

Meu pai ia até mim e dizia:

“Esta gameleira quem plantou foi meu vô Cristovão”.

O bisavô que eu não conheci, e que partiu quando ele era criança, deixou-nos heranças generosas – sombra, frescor, casinha de bonecas, curral, estrada para carrinhos, tudo na árvore…

Além do que se podia ver, a gameleira trouxe mais frutos para mim e meu pai. Ali, eu e ele, que mal sabia que seria jardineiro, inaugurávamos uma tradição. Sempre que quero saber sobre uma planta pergunto para meu pai. Ficamos horas discutindo as características da árvore da vez.

O nome da propriedade não poderia ser outro: “Fazenda Gameleira”. Apesar de lá ter muitas outras árvores, era a gameleira que se destacava, majestosa, em nosso quintal. Meu pai também dizia, sempre que ia se referir a mim: “minha princesa do brejo”. Eu era uma menina que vivia com os pés descalços, cabelos desgrenhados, pouca vaidade e que gostava de toda natureza que me cercava, daí o apelido.

Morávamos em uma casinha simples. Paredes brancas, janelas e portas azuis, de madeira, piso amarelo do lado de dentro e ardósia nas varandas. Meus pais construíam outra casa no mesmo terreno, essa sim, grande. Era outro lugar em que eu brincava. Não raro, subia para a obra e sonhava com quando tudo estivesse pronto.

Outras árvores me chamavam. Eram nativas do cerrado. Eu me embrenhava na mata, voltava pra casa com uma sacolinha cheia de pedras que achava serem preciosas pelo simples fato de serem transparentes e frutas como cagaita.

Mudamo-nos do sítio por motivos de força maior, precisamos vender tudo. Há quem diga que não aproveitamos o melhor, pois saímos de lá antes da casa dos sonhos ficar pronta. Mal sabem eles que a gameleira era o castelo da princesa do brejo de um pai apaixonado pela árvore que o vô plantou.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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