Limites que aparecem com o luto
Quando uma pessoa amada se vai os limites aparecem para os que ficam. Lugares são evitados, fotos escondidas, alguns rituais póstumos nunca realizados. O efeito contrário também é comum – a casa pode virar um verdadeiro museu com as fotos daquele que se foi, os locais onde as lembranças ficam mais fortes são visitados com maior frequência ou não abre-se mão de nada do que é tradicional como missa de sétimo dia, idas ao cemitério. No entanto, o certo é que quem ficou vai se sentir péssimo com algumas coisas e conforto com outras. Cabe à quem vê respeitar, sem julgamentos. Respeito nessas horas ajuda tanto quanto um abraço. Com jeitinho também é possível aconselhar um acompanhamento psicológico, fazer convites para encontros que darão algum alento àquele que está de coração partido. Claro, de acordo com a crença da pessoa.
O bom é que com o tempo, normalmente, alguns limites são rompidos. A ausência é ocupada cada vez mais pela saudade e aceitação. Pode acontecer de uma barreira ou outra permanecer, mas com o entendimento maior do que houve, ela não incomoda e convive-se bem com ela. Eu, por exemplo, não sinto nenhuma vontade, nem acho necessário, visitar a lápide. Converso com minha mãe como se ela estivesse aqui para contar algumas novidades, nunca reclamo, pois acredito que ela pode me mandar boas energias, mas não realizar milagres. Nem certeza de que ela me ouve eu tenho. Falo com ela porque me faz bem e na minha visão é uma maneira de mandar energias boas para ela. No cemitério eu sei que ficaria muito triste e não creio que ela esteja ali. É até uma forma de desapego, são os restos carnais que permanecem no túmulo, o espírito, bem mais elevado, está em outra dimensão.
O que me incomodava muito era a cobrança, no início, para eu ir até lá, como se fosse uma obrigação de filha, mesmo que doesse muito. Só que tenho certeza, pelo que me falava em vida, que ela prefere que eu lembre dela em outros lugares, faça meus pequenos rituais onde eu me sinta melhor e que consiga mandar o que há de mais bonito para ela.
Também havia algumas coisas que até pouco tempo eu pensava fazer para não lembrar dela e na verdade isso é impossível. Lembro o tempo todo. Descobri que não quero é que as recordações sejam sofridas e que lá do outro lado chegue o que guardo de bom, uma saudade em forma de conversa de mãe para filha e até um choro inevitável às vezes, mas cada vez menos doloroso.
Quando entendi que esta saudade que só quem tem entende sabe nunca iria embora eu comecei a tratá-la de um jeito diferente e ela a me fazer menos mal. Sei que para quem a existência já está em outra dimensão, agora é muito melhor também comigo menos sacudida pela dor.