O que fica de uma festa on-line sem o filtro do Instagram?

O que fica de uma festa on-line sem o filtro do Instagram?

Nesta mesma data em 2019 (21.6), um Corpus Christ, estávamos em Ibitira, um dia depois do aniversário oficial da minha vó Rita, 20 de junho. Os 95 anos foram entre nós. Não contei quantas pessoas havia, mas arrisco a dizer que só os netos, bisnetos, filhos e respectivos maridos, esposas e namorados chegaram a umas 50 pessoas ou mais.

Somos uma pequena multidão barulhenta que encontra formas simples de se alegrar. Nos bastamos!

Neste ano, ela completou 96 em meio às restrições da pandemia. Dona Rita ama viajar, visitas e só não vai a um evento se tiver proibições médicas. Doeu saber que neste 20 de junho ela estaria em casa sem a família toda. Então, fizemos a festa do jeito que dava.

Foi a minha estreia em comemoração on-line. Com meu pai e irmãos longe, a gente conversa muito, mas nunca festejamos nada virtualmente.

Daí, pela primeira vez, estava eu em uma house party. Mais de 20 pessoas, cada uma em um quadrado, sem o tio Kaká esbarrar em nada. Os bebês e crianças mais quietos do que o habitual e nem preciso citar que era impossível pegar algum deles no colo.

As duas seções de 40 minutos do Zoom não foram suficientes para os pequenos se soltarem. Afinal, os bisnetos da dona Rita não puderem se juntar para brincar nem conhecer os adultos mais de perto.

O meu pai e tios queriam ver todo mundo junto. Porém, a limitação de layout no celular não permitia. A falta de costume com a ferramenta deixava alguns sem voz e outros sem imagem em alguns momentos. Ainda teve gente demais falando ao mesmo tempo, porém, bem menos do que quando estamos próximos.

O parabéns foi todo dessincronizado hehehe. A sinceridade doce da vó Rita não apareceu. Ela só disse que estava triste por estar com a casa vazia.

Descanso na loucura

Lembrei de quando meu pai usou o MSN pela primeira vez, em uma dessas temporadas nos Estados Unidos, e disse não ver “toada” naquilo. O meu sentimento foi parecido, mas a house party guardava gritantes diferenças do MSN.

O finado mensageiro dava imagem à ligação, o que antes não tínhamos. A festa on-line é a única possibilidade (para quem tem noção, pelo menos) e tira muito. Ao mesmo tempo, possibilita o pouco possível. E como diz Guimarães Rosa:

Qualquer amor já é um pouquinho de…Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Mas festa da minha família é lugar de abraço, dos mais velhos darem a bênção, de ver a evolução do outro e testemunhar a linhagem prosseguir, de foto engraçada e mesa farta. É lugar da gente encontrar formas fáceis de sermos felizes pelo simples fato de estar com o outro.

Se o MSN me permitiu ver meu pai depois de muito tempo distante, o Zoom acentuou a carência. Claro, a data não podia passar em branco, como prometemos há um tempo. Celebramos como deu e já é muito saber que estão todos bem e com saúde. Daí eu lembro que o compromisso com festa foi mais porque ela ama casa cheia e a gente reunido do que pelos quase 100 anos. Nós também amamos!

Mesmo tão acostumada a fazer quase tudo digitalmente: trabalho, estudos e, agora, treinos e terapia, a celebração na internet não me pareceu nenhum pouco melhor, ou ao menos parecida, do que com as festas a moda antiga.

Festa on-line: a realidade

Sou defensora de uma vida mais digital, de que as pessoas sejam menos apegadas à presença física, pois dá para simplificar a rotina profissional remotamente e muitas outras coisas. Porém, é justamente para isso, em partes: ter mais tempo com quem amo e poder aproveitar espaços familiares.

Eu, particularmente, adoro ficar em casa só comigo, a la dona Zeni (a outra avó) e Neuza (minha mãe), mas aprecio bastante quando a família encontra.

A Talita em uma festa do povo da dona Rita do Alonso é diferente: mais solta, alegre. É a minha versão mais leve e feliz de todas. Na festa on-line eu não consegui ser assim. As festividades digitais parecem ter mais graça no Instagram. Mas, como muita coisa lá, a felicidade não é tão real. Tirando os filtros, fica a saudade de poder aglomerar com quem realmente faz falta.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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