O dia do revide

O dia do revide

Liguei uma, duas, três vezes, ele não atende ao telefone, o de casa e o celular. Todos os meus chamados ficaram sem respostas. Eu não deveria me preocupar, já é um cara bem crescidinho, sabe o que faz, melhor do que eu. Tento me convencer de todas as formas, mas passam mil e uma possibilidades, todas ruins, pela minha mente. Começo a perguntar aos mais próximos se têm notícias dele, quando sim relaxo um pouco, só um pouco, pois só ouvir a voz dele me deixa totalmente aliviada. Ter falado com ele há umas duas horas é um tempo muito longo, ontem então, uma eternidade, eu quero saber como ele está agora.

As caraminholas na minha cabeça têm razão de aparecerem, agora é um homem que mora sozinho, sem ninguém debaixo do mesmo teto que possa me dar a certeza de que tudo está bem, que me avise sem ter que pedir o que está acontecendo. Quando finalmente as ligações são retornadas vêm notícias do tipo: estou na casa de um amigo, saí para comer, meu celular fica no silencioso. Na maioria das vezes ele está melhor que eu, mas tenho a impressão de que não irei me acostumar.

Não atende ao telefone mesmo!

Parece até que é meu filho, só que é meu pai, viúvo e às vezes desatento ao celular. Quem o conhece pode dizer que eu deveria relaxar, é um cara pra cima, festeiro, deve ter algo a ver com o perfil. Eu também pensava assim até que um amigo, filho de mãe viúva das mais caseiras, me contou sentir a mesma aflição quando o telefone só toca.

Como eu, as conversas para prestar atenção aos chamados foram inúmeras, quase todas sem muitos resultados, deve acontecer mais ou menos quando éramos adolescentes, só que ao contrário, desta vez somos nós os angustiados da história. O dia do revide chegou, parecem se vingar de todas as vezes que os deixamos sem saber do que acontecia conosco. Os papéis se inverteram um pouco, ficou para nós a obrigação de cuidar, de ficarmos atentos a qualquer sinal de perigo, marcar consultas, puxar a orelha, quando preciso for.

Ao conversar com o amigo que padece do mesmo mal, não restou dúvidas de que é o medo de perder que nos atormenta, faz o coração bater desconfiado. No fundo, acho que nossos pais sabem disso, só não confessam, como também nos negávamos quando levávamos broncas na adolescência. Na minha terra dizem que os filhos é que tomam as rédeas depois dos 60, eu acho que é antes, quando a gente percebe que família existe para cuidar um do outro, começamos a dividir, uns cuidam dos outros.  Melhor que seja sem este exagero de preocupação, assumo, porém entendo que são coisas de quem zela com amor.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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