Sair de si
Ultimamente tem me incomodado muito a profunda falta de empatia que contamina as pessoas. E eu nem to dizendo que isso é recente.
Parece é que isso tá sendo mais demonstrado. Só não sei se isso é bom ou ruim. Talvez seja bom porque quando a doença aparece a gente tem mais chances de identificar e tratar, né?
As pessoas estão perdendo a vergonha de expor o próprio egoísmo. Pior: muitos têm tido orgulho de gritá-lo nas ruas, nas bandeiras, nos punhos.
É um movimento pesado e autoritário de imposição da própria vontade sobre a existência alheia que tem se disseminado. A reafirmação do “eu” sobre a pluralidade e a diferença.
E é exatamente isso que demonstra a fragilidade dos egoístas. Não vamos confundir: é possível gente frágil oferecer perigo. Talvez seja justamente a turma mais perigosa – e vou explicar porquê.
Regra geral – há exceções – pessoas pouco empáticas têm quase nada de repertório. Isso não significa graduação escolar, títulos acadêmicos, livros clássicos lidos.
Repertório significa vivência. E é perfeitamente possível alcançar uma vivência vasta das coisas sem precisar passar sozinho por situações da vida. Dá pra “viver” pelas experiências alheias também.
Mas é preciso estar aberto para acolher essas experiências – e a única forma de fazer isso é duvidando. Não de tudo, mas ter dúvidas sobre o que esperar de cada coisa, de cada pessoa – porque cada uma é diferente.
Duvidar é estar disposto a encontrar o que não é esperado. É não ter certeza do que esperar – até porque, esperar com certeza por algo é receita pra frustração. O motivo? Nada é exato na vida, talvez nem a matemática.
É uma ciranda quase paradoxal. Isso só acontece se a gente permitir, mas a gente só permite se deixar acontecer. Ninguém compartilha nada com gente hostil, que não quer escutar.
Pode ver: quando alguém fala demais, interrompe demais, não deixa o outro falar, pode apostar que também enxerga pouco do outro. Pode apostar que não sai de si pra se colocar no lugar do outro.
É preciso se deixar conhecer outras realidades e não considerar que a própria é ruim demais, a mais difícil ou, pior, a única. Não fazer isso é, automaticamente, invisibilizar essas realidades – tão ou mais ricas que as nossas particulares.
Sair de si vai além de olhar pro outro – o egoísta faz isso muito bem, especialmente para se comparar com ele. Sair de si exige entrar no outro, sentir o outro, viver o outro. Ainda que só um pouquinho.
Se existe algo que pode fazer um bem enorme pra gente enquanto grupo que vive – e precisa – viver junto é isso. A gente escolheu as cidades, escolheu compartilhar o mesmo espaço, escolheu bater sem querer os carrinhos no supermercado.
Sem compreender um mínimo que for pelo que o outro passa, o que o outro sente, porque o outro vive daquele jeito, não dá pra gente viver a própria vida bem. Falta coisa, falta o conjunto.
Talvez por isso eu tenha sentido vontade de falar disso hoje, nessa data tão significativa. O que eu me pergunto é: de que adianta não ter comido carne ontem se você não vai sair de si?