E se existisse Tinder há 10 anos?
Se eu e meu marido estivéssemos no Tinder há 10 anos, não teria dado match. O algoritmo, provavelmente, não veria compatibilidade entre nós.
Eu sou Galo, ele é Cruzeiro.
Amo português, ele me salva em matemática.
Falo muito, ele prefere o silêncio.
Adoro mudanças, ele gosta de estabilidade.
Se fosse pontuar todos os contrastes, não conseguiria terminar este texto em 2020. Depois que nos casamos, há quase sete anos, descobri mais diferenças ainda.
O estranho é como um amigo em comum, o Bruno, conseguiu enxergar que seríamos um bom par. Bastava que ele tentasse nos apresentar para que eu nem olhasse para onde o Bruno estava. O Geraldo chegou a ir embora mais cedo de uma festa fugindo da tentativa do cupido.
Avessos à ideia de algo arranjado, corremos um do outro até o dia que – sem o Bruno por perto – nos esbarramos e nunca mais ficamos longe.
Suspeito que se eu tivesse reconhecido o Geraldo como o carinha que o Bruno queria me apresentar, não teria dado chance. Como evitava olhar até para onde ele estava, não me recordava da aparência. É aí que eu perderia a oportunidade de conhecer um universo muito diferente do meu.
Sei de vários casais que o Tinder uniu e muita gente que vive uma linda história com quem é bem parecido. Porém, já vi quem tentou a sorte nos apps de paquera e nunca marcou um segundo date. Todas as afinidades não foram suficientes para o crush perfeito.
O amor é mesmo múltiplo. Às vezes, une os opostos, noutras junta quem tem mil e uma coisas a ver.
Mas um algoritmo jamais descobriria que eu diria sim para o Geraldo. Carlos Drummond de Andrade foi mais certeiro ao falar sobre o que funcionou para mim.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. (Crônica Ter ou não Ter Namorado – de Carlos Drummond de Andrade)
Graças à adivinhação, pele, saliva, lágrima, eu levei o Geraldo ao teatro, para praias sem prédio na orla e agora já o vejo com um livro na mão frequentemente. Ele me levou para assistir “O espetacular homem aranha”, apresentou tabelas de excel e o valor de ficar em silêncio.
Escutei um podcast em que um psicanalista dizia que quem procura por iguais está em busca de si mesmo, é um narcisista. E é bem confortável estar com alguém com gostos e perfil parecido. Era assim que eu queria e nem acho que está errado namorar um gêmeo de preferências, ao contrário do que o convidado do Obvious disse. Só que hoje vejo que estar com alguém diferente é aumentar o repertório, descobrir novos gostos e aprender a respeitar quem é de outro mundo.
Com o passar do tempo, nos tornamos mais parecidos, porém, as diferenças continuaram a aparecer. Há pouco, me tornei vegetariana. Ele, além de comer carne, nem experimenta nenhuma receita que faço, mas cozinha de forma coringa, para mim e para ele. Sempre coloca proteína vegetal. Dividimos a mesa, mas os pratos são distintos.
Algoritmo de namoro nenhum nos aproximaria, mas a intuição e o sentimento nunca nos fizeram duvidar que daria certo estar com alguém de outro planeta.