E as novidades?

E as novidades?

Agridoce é o sabor do novo. Não faz muito tempo que descobri, há poucos anos as novidades sempre me pareciam açucaradas. Eu ignorava o sabor das ingratas surpresas e o novo só podia significar mais vontade de viver, deliciosamente. Também fui traída pelo que dizem por aí: “há coisas e pessoas que nunca mudam”. Isso soava muito negativo porque o que e quem nunca mudava parecia não servir, ser chato, angustiante.

Porém, comecei a pensar que certas paisagens deveriam ser as mesmas durante toda vida, alguns amigos tão próximos quanto na infância e certas pessoas nunca poderiam ir embora. E, infelizmente, em alguns casos, os lugares “evoluem”, pessoas se vão, para longe ou para sempre… São mudanças que nos mostram o lado amargo das novidades. Só não são completamente detestáveis porque aquelas que chegam sem pedirmos, contra a vontade, podem trazer boas mudanças ou ao menos muito aprendizado.

Às vezes certas surpresas tiram todo sabor dos dias, principalmente quando aparecem, só que vão mostrando um lado doce em meio à acidez. Por serem doces não quer dizer que são fáceis, embora tornem-se todas digeríveis se eu tiver força e fé. O novo é, portanto, agridoce, uma mistura de sabores que faz com que eu me transforme, chore, sorria, evolua.

Meu objetivo aqui é ser feliz, ter momentos saborosos, porém a vida já me mostrou que quer me ver muito mais do que alegre. Quer que eu seja sábia, entenda pessoas difíceis e me supere a cada dia, só estas nobres razões justificam percalços de amargar. Com o tempo eu só tenho a agradecer, alguns processos são verdadeiras odisseias e os motivos por eu passar por eles parecem estar em um labirinto, mas no caminho tortuoso vou abrindo os olhos para o que há de bom, sorrio por vezes.

Mesmo as mudanças que eu provoco, quero e são necessárias não me fazem sentir à vontade no início. Até que venha a calmaria minha rotina fica de ponta cabeça, o sono vai embora. Posso até curtir o que veio, estar feliz, entretanto confortável leva tempo.

É aí que gosto do agridoce do novo, é um sabor que não enjoa pelo excesso de mel e nem faz eu querer parar de saborear os momentos pela acidez, o açúcar irá aparecer.

Tédio bem-vindo

Para concluir digo que algumas “paradezas”, o “tédio”, podem ser deliciosos. Quando chego na casa das minhas avós e elas põem a mesa com muitas gordices penso: “algumas coisas nunca mudam, ainda bem”. Nos aniversários de projetos, de jobs, vejo que tenho feito um trabalho satisfatório. E como é bom completar meses, anos e décadas de amizades, namoro, casamento, o tempo quer dizer que a vida mudou e continuo ao lado de pessoas que amo. Ruim seria se eu tivesse um namorado a cada ano, se os amigos fossem apenas novos e eu participasse de projetos muito curtos.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 7 comentários
  1. Juvenal Bernardes at 2:52

    Eita, menina extremosa, mineirinha-cada-vez-mais-sábia, teu texto lembra doce de laranja-da-terra e frutinhas saborosamente azedas que o cerrado mostresconde. Delicioso ler cada palavra, cada frase, tudo no lugar certinho, potinhos com doces que as avós escondem pros netos que chegarão da capital, carinho de mãe passando roupa, lenha, fogão, fumaça, calor e cheiros. Quando o almoço ficar pronto, a gente senta e conversa mais. Lindo é pouco pra definir.

    • Talita Camargos at 3:08

      E eu quase chorei com seu comentário, Juvenal Bernardes, um dos professores que até hoje me inspiram do tempo do colégio. Obrigada também é pouco para agradecer, te encontro qualquer hora dessas para bons dedos de prosa e um abraço; olha que ainda ficarei devendo.

  2. Andrezza Moreira at 3:08

    Estou aqui em Guarapari e me lembrei de uma vez que você estava aqui conosco, devia ter uns dez, onze anos, e ao perguntar o que seria quando crescesse você disse, com toda convicção, que seria escritora… Achei tão engraçado aquilo, como uma menininha criada na Ibitira poderia ter essa aspiração? Pra nossa sorte seu coração não estava enganado. Siga em frente, sempre!

  3. Talita Camargos at 3:13

    Eu não me lembro desta conversa, porém este desejo é antigo, acho que nasceu comigo e ascendeu quando li o diário que meu pai fez no Iraque. Delícia saber que falei isto com você e tê-la até hoje acompanhando meus passos. Muito grata, Andi, muito mesmo ❤️❤️❤️

  4. Neusa at 8:39

    Delicioso
    Agora entendo o gosto pelo agridoce, adoro
    “É aí que gosto do agridoce do novo, é um sabor que não enjoa pelo excesso de mel e nem faz eu querer parar de saborear os momentos pela acidez, o açúcar irá aparecer”. Perfeito.

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