100 dias
No dia 17 de março comecei a contar os dias como um presidiário para o fim da pena. Com uma diferença, não sei quando a contagem vai terminar. É aquela história: “contando os dias sem saber quantos dias faltam”, como tem se falado nas redes sociais. Mas no início eu pensava que tinha a resposta que todos querem, a de quando tudo isso vai terminar. Imaginava as festas juninas e o meu aniversário como grandes celebrações do fim da quarentena.
Achava tanto que o universo girava ao redor do meu umbigo que coloquei a previsão bem perto da data que marca o meu nascimento. O tempo me mostrou que o que menos conta sou eu e minhas vontades.
Porém, mesmo dentro do meu apartamento que tem exatos 51 metros quadrados, o mundo descortinou-se para mim.
Não posso dizer que tudo que vi nesses 100 dias é novidade. As coisas que realmente importam sempre dão um jeito de aparecerem, repetidamente, até que elas sejam integradas à realidade porque o que tem de ser tem muita força. Foi o que ouvi na série Hoje é Dia de Maria e nunca esqueci.
Este blog mesmo, há tempos dizia que iria reativá-lo, mas nunca chegava a hora. Agora, mesmo com muito trabalho a ser feito, tenho encontrado maneiras de escrever com uma certa frequência.
O meu projeto de ser do mundo mesmo na escrivaninha do meu quarto também ganhou impulso. Sei da potência do trabalho remoto na minha área, é o formato que mais me adapto, mas nunca lutei com unhas e dentes para que acontecesse de maneira plena. Nesses 100 dias, fechei parcerias com empresas de outros estados, cidades e até países. Gente que nunca vi e confia em mim para ajudá-los a realizar os sonhos deles enquanto realizo o meu: de fazer do verbo carne, da escrita o meu ganha-pão exclusivo.
Luzes foram jogadas sob o que eu sentia e ignorava também. Faz anos que tenho um enjoo matinal e sentia outros incômodos que julgava normais. Notei uma inflamação na garganta que não passava e fiquei preocupada. Em uma das poucas saídas neste tempo, descobri que tenho faringite crônica, consequência de um refluxo, o ácido atinge essa área e causa a inflamação. A piora do quadro foi um efeito colateral da pandemia. Durante esse período, minha alimentação ficou descontrolada e o refluxo também, daí surgiu o inchaço.
Na consulta, descobri que os sinais estavam o tempo todo ali, só que eu achava ok me sentir mal. Julgava não ser nada e, agora, vejo que posso ter uma qualidade de vida bem melhor ao tratar o problema.
Quarentena de cabeça para baixo
Fiquei irreconhecível no início, leia-se um mês e meio, mais ou menos. Acostumada com atividades em casa, parecia que eu só treinava na academia. A produtividade também caiu. Por obra do universo, bem no princípio comecei a contar com ajuda de uma estagiária, a Dafne, e vi o quanto era bom ter alguém para dividir tudo, não apenas as tarefas. Depois veio a Lana para consolidar a certeza de que eu precisava de alguém para ser suporte diariamente. Melhorei os métodos de trabalho on-line e prossigo com a ajuda da Dafne, desta vez com bolsa e um contrato maior.
Cheguei aos 100 dias de quarentena bem mais calma do que na primeira semana. Aprendi a lidar com o que avalio como absurdo no outro. Julgo, pois humana que sou faço juízo de valor automaticamente. Paro por aí e até tento entender a pessoa, mas me dou o direito de me afastar e de fechar os olhos com os silenciadores digitais.
Sigo em casa, com a certeza de que se não dá para desbravar o mundo do lado de fora, aqui dentro tenho muito a descobrir.