Para dar cor ao mundo

Para dar cor ao mundo

Ela se ofendeu ao escutar que eram as outras, coloridas e serelepes, quem traziam paz. Violeta era plácida, delicada, ficava ali: quieta para ser apreciada sem sair do lugar, em casa, recolhida. Era pouco exigente, simples, ficava bonita com pouco. As outras eram esvoaçantes, traziam mil cores, na mesma hora que estavam ali já arrumavam outro lugar para serem notadas; não moravam em lugar algum, eram do mundo. Violeta era quase antônima: só sairia se alguém a levasse gentilmente para um passeio ou uma nova morada; obedecia, pouco se atrevia, era previsível, embora bonita que só. O máximo de ousadia da florzinha era misturar dois tons. No mais, preferia se vestir com uma cor apenas.

— Que “malagradecidos”  eles são, fico aqui, busco o sol para ser bela e pouco trabalho dou, custo pouco. Já elas, até me usam para ser notada – resmungou Violeta no jardim.

— Deixe-me advinhar: fala das borboletas serelepes? – assuntou o Cravo.

— Delas mesmo, Cravo. Veja se pode. Fico aqui, comportada e são ela, com ousadia e inquietas que são sinônimo de paz para eles. Até me fazer de trampolim elas fazem e os encantam – respondeu.

— Sim, dona Violeta. Elas também me usam como trampolim.  Dão-me beijos, sinto cócegas, até me enamoro. Elas dizem que meu pólen é o alimento delas e que não só se alimentam, mas fazem outros jardins florescerem com o que levam de mim – confidenciou entre vários suspiros o Cravo.

— Oh céus! Elas são mais ousadas do que eu pensava. Tiram o meu sossego, roubam a cena, levam a melhor e eu aqui, para quê? Nem ser lembrada debruçada na janela? – quase gritou.

— Querida Violeta, você também é uma senhora linda. Mas deixe eu te contar o que mais de uma borboleta me disse. Ela falou que o pólen que leva de mim faz com que outros Cravos nasçam mais bonitos, fortes. É por isso que algumas amigos suas têm duas cores, por causa das brincalhonas e sedutoras borboletas, assim, não se irrite – pediu.

— Então é assim, elas têm asas, podem ganhar o mundo, só aparecem de vez em quando e as estrela são elas? – continuou, indignada.

— Não, dona Violeta, cada um tem o seu papel e sabe o que mais uma me contou? Que o dia mais feliz da vida foi quando um humano cantou que ela era flor que voa. Acho que devemos agradecê-las. Não fossem elas levarem nosso pólen pelo mundo, certamente existiríamos em menos quantidade e com pouco colorido. E tem mais: uma das que me beijou falou que as asas delas são desenhadas de acordo com as cores que encontram nos jardins que visitam. Trocamos, elas não nos roubam, mas nos espalham – tentou convencê-la.

A dona Violeta fez como quem não estava convencida. Só se deu por satisfeita quando a menina da casa que enfeitava dizia em voz alta a lição de ciência da escola e suspirou:

— Aaaaah, algumas flores voam para eu contemplar a beleza em alguns minutos e outras ficam perto de mim, para eu olhar todas as vezes que quiser um pouco mais de leveza, o belo nos meus dias – disse ao olhar para a Violeta que ali estava na janela que ficava de frente para o jardim.

Assim, a senhora Violeta percebeu que cada um tinha um papel, a festa das borboletas, o tanto que perturbavam a ela e outras flores era para levar mais beleza ao resto do mundo. Um jardim ou um vasinho era muito pouco, o mundo era vasto, as borboletas tinham mesmo que ser rápidas. Pelo que ela ouvia os donos da casa dizerem, tudo andava meio cinza, precisava de cor urgente. Foi dessa forma que a discreta, mas vaidosa Violeta, ficou de bem das borboletas. Nem se importava mais em ser um trampolim para quem também eram flores, porém voava para o mundo florescer.

Sobre o texto:

Para dar cor ao mundo surgiu de um desafio literário que fiz para o poeta Nuno Arcanjo. Ele me enviou versos da aluno de poesia dele, Kamilly Agata, para me inspirar a fazer um conto, crônica ou causa, prosear sobre os versos. Em contrapartida, ele irá transformar um texto que mandarei pra lei em poesia. Estou ansiosa para ver o que vem por aí, assim que ela mandar eu publico.

O texto que ele me mandou era:

Borboleta
(Kamilly Agata)

A Borboleta é uma espoleta,
não para um segundo.

Ontem no Jardim, perturbou todo mundo,
Fez até a violeta de trampolim!

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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