O fim

O fim

Ele caminhava lentamente pela calçada esburacada. Os passos lentos e cadenciados, porém, o levavam de maneira bem decidida. Não se pode dizer o mesmo da cabeça baixa, que demonstrava alguma insegurança. Não tinha muito mais de 20 anos, nem alto nem baixo. Um capuz escondia parte do rosto e os cabelos enrolados não ultrapassavam as orelhas. A franja apenas tangia-lhe a altura dos olhos. Ele seguia.

Quarteirões e mais quarteirões extinguiam-se vagarosamente sob seus pés. Até que parou à frente de uma casa de pintura amarela e descascada. O portão de metal enferrujado estava entreaberto e ele o empurrou para entrar. Avançou pelo pequeno corredor formado pelos mini-jardins que o ladeavam agora tomados pelo mato rasteiro.

Subiu quatro degraus de escada e bateu à porta de madeira lascada e escurecida pelo tempo. Ouviu barulho de movimento do lado de dentro, mas ninguém atendeu. Esperou…

A chave fez um clique quando a fechadura rodou. Alguém girou a maçaneta e abriu a porta. O sol nasceu.

Não, não estava amanhecendo. Mas a figura que surgiu fez com que o dia adquirisse nova luminosidade – e sumisse momentaneamente com o desânimo que o rapaz sentia.

Foi como se a fachada da casa se recompusesse. Como se não existisse mais pintura descascada ou mato crescendo. Ele levantou a cabeça e o capuz caiu-lhe às costas.

Ele esboçou um sorriso quase imperceptível, somente porque era inevitável. Já o semblante que o encarava no portal era sisudo e sério. Foi o que o fez lembrar da desmotivação que sentia antes.

Olharam-se por um momento. Ele notou a relutância em abrir espaço para que passasse e entrasse. Foram quase juntos até o sofá e se sentaram. Olharam-se.

O resquício da discreta euforia vislumbrada minutos antes se fora. Encarar aqueles olhos negros e frios o deixou novamente para baixo. De fato os ombros caíram, curvou as costas, abaixou o rosto.

Ao seu lado, um rosto permanecia duro e as feições inflexíveis. Já esperava que os acontecimentos não se refletissem nele da mesma forma que no seu próprio.

E era por isso que não queria ter saído. Não queria ter andado. Não queria ter entrado. Não queria olhar naqueles olhos. Ambos sabiam que fora lindo. Ambos sabiam que queriam o eterno. Mas acabou. Era o fim.

Escritor por Simião Castro Veja todos os textos deste autor →

Simião é jornalista, repórter de política, escreve contos e crônicas. Também conta histórias em áudio, vídeo, o que você pedir, é produtor multimídia, saca um pouco de tudo. “Eu tento ser um jardineiro das palavras, um aventureiro das sílabas. Duvido de tudo e prefiro assim! As certezas me assustam. Quem tem certezas demais também”.

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