Depois da verborragia do luto

Depois da verborragia do luto

Não passo um dia sem dizer mãe. Porém, há um tempo eu falava bem mais dela. Era algo natural e desconfortável pra muita gente que ouvia. Como li em “O brilho do bronze” se a conversa é sobre alguém que se foi incomoda, as pessoas não gostam de falar dos mortos e pra quem ficou pode ser um grande alívio. Eu entendo o desconforto. Sei de amigos que me visitaram por causa do que havia acontecido, nada falaram sobre a morte, a doença e quando eu toquei no assunto ficaram sem palavras, comentaram sobre o tempo e outros assuntos de quem tem pouca amizade.

A morte é assim mesmo, leva discursos de quem tanto quer dizer algo que conforte. E eu compreendia, ficava feliz com a presença, embora quisesse falar por horas dela.

Eu mesma só toco no assunto com quem está em luto se tenho abertura. Quando são memórias fala-se muitas vezes excluindo-se os últimos momentos, mais sofridos. Eu já me sentei em uma mesa de bar e quem não sabia do acontecido foi embora sem saber que o pai da pessoa que dividia a noite conosco havia morrido. Depois que contei o “desavisado” assustou-se. É comum, falar do que foi bom é de certa forma trazer a pessoa tão querida pra perto, com um dos poucos recursos restantes, as lembranças.

2 anos e 4 meses depois de minha mãe partir estou bem menos verborrágica. Os comentários são naturais, mas menos frequentes. Porém, tem algo que penso nunca mudar, é igual desde aquele 16 de agosto e até antes. Eu  lembro dela o tempo todo. Às vezes é de forma atordoante, tento me concentrar nos meus afazeres para mandar a angústia ir embora, me recuso a ficar ao sabor do que meu cérebro quer. Nem sempre funciona. A tristeza vem, invade, rouba horas que seriam boas…

É bem mais difícil deixar de pensar do que de falar. E eu não vejo tanto problema em pensar nela todo dia, quase toda hora. Vejo problema quando o pensamento é penoso demais. Eu nunca quis esquecê-la, é parte de mim antes de eu existir. Eu já sentia saudades quando ela estava por perto, mas em outra cidade, já me lembrava dela a toda hora, nos meus dilemas, em apuros ou se algo bom demais acontecia. Mãe é pra essas horas, mãe é pra toda hora – alegres ou tristes – para ajudar na tristeza e celebrar na alegria. Eu já lembrava da minha a todo tempo e continuo… Fico triste em alguns momentos, porém com cada vez menos frequência, pois tenho lembrado-me dela como em vida, de forma natural, como é mesmo entre mães e filhas que se amam.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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