Boa vontade de berço

Boa vontade de berço

Obediência pra minha mãe requeria mais que cumprir ordens. Era preciso estar com a carinha boa, um sorriso e levantar-se prontamente quando ela pedia algo. Não raro, passava o pedido de um filho para o outro ou tomava para si própria a tarefa. Costumava falar que com má vontade ninguém precisava fazer nada para ela. E o detector de má vontade  às vezes lia a alma da gente. Antes de respondermos que iríamos providenciar o que ela pediu a contragosto, já desfazia o pedido como quem sentia no ar a indisposição:

“Com má vontade não precisa, pode deixar”, dizia.

E completava ao designar a tarefa para o outro:

“Meeeel, vá ao mercado pra mim…”

Eu estranhava o quanto era importante a boa vontade em coisas tão pequeninas. Não seria a mesma coisa se eu fosse, mesmo com preguiça, ao armazém? Os ovos, a farinha e o leite chegariam em casa também.

Depois que precisei pedir aos outros ajuda entendi que seria tudo diferente com a boa vontade, pois a má vontade é pior do que falta de jeito, supera a incompetência, a inabilidade. Quando tenho qualquer mínima precisão dos outros avalio rostos, gestos e tento sentir a alma como minha mãe conseguia. Tenho uma espécie de detector de má vontade também, sinto no ar.

Também exijo de mim boa vontade em tudo. Acho que é por isso que recuso trabalhos enfadonhos, não faço visitas por obrigação ou qualquer outro favor sem querer. Em algumas situações que sei que preciso, mas não quero, trabalho meu psicológico. Foi o caso da atividade física que agora faço com gosto e de algumas tarefas de trabalho. Preparo o espírito para fazer o necessário com uma energia diferente da inicial. Quando traio minha vontade me sinto mal porque nada substitui algo feito com a alma entregue. Basta uma pontinha à toa de má vontade e tudo sai do eixo.

Eu comecei a entender que boa vontade nada mais é do que energia positiva, dessas que contagiam e transformam até mãos desastradas em habilidosas. O contrário, a má vontade, energia ruim, faz quem é mestre em algo desandar o que faz todo dia bem só porque levantou sem vontade de fazer o que sabe de melhor.

Boa vontade é alegria em servir, é colocar felicidade no que o outro e eu mesma preciso. É um jeito gostoso de fazer bem e de espalhar boas energias ao deixar o coração aberto nos mínimos gestos.

Ainda bem que aprendi isso em casa. Boa vontade pra mim vem de berço.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

Oi, o que achou do texto de hoje?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *