Amor ameaçado pelo silêncio

Petrus se achava muito parecido com a menina que pegava ônibus com ele. Roupas escuras, coturno, fone nos ouvidos, poucas palavras, tímida… E essas últimas características faziam que ele ensaiasse uma investida todo dia. Na hora não dava certo, ele parava quando as borboletas começoavam a fazer festa demais no estômago dele.  Derrubava moedas, pegava, perguntava ao trocador qual era o ponto da faculdade e só.

Ela sempre ocupava o lugar mais perto da janela. Ia escorada. Parecia cansada, ou com sono, já que o sol contava poucas horas de raiar quando Petrus entrava na lotação. Ela sempre estava lá. Invariavelmente com maquiagem pesada, blusa de banda ou apenas preta. Parecia não olhar para ele, só pro celular e para os sonhos, já que cochilava bastante no caminho. Ou será que não sonhava? Petrus tinha muitas perguntas e nenhuma coragem de se aproximar. Mas o desejo era tanto que ele tinha esperança de um dia achar um jeito e conquistá-la.

Não se conformava de ela nem olhar para ele. Pelo menos no estilo eram muito parecidos. Devia ser a vontade de dormir até chegar ao ponto de parada, se convencia. E onde seria o tal ponto? Petrus tinha tão pouca sorte que nem isso sabia. Quando entrava ela já estava lá, e ele descia antes. E o nome? Tinha cara de ter nome de estrela de roque, atriz, ser filha de pais metaleiros. Ou será que não? Podia se chamar Maria, Ana, Mariana… Ser a ovelha negra da família, filhas de pais certinhos.

Quanto mais pegavam ônibus juntos, maior era a curiosidade. Uma vez, nas férias da faculdade, até fez o trajeto sem precisar, só para vê-la. Mas parecia que ela também ia para a escola ou facu. Nas férias, pelo menos no horário habitual, ele não ia.

Após se questionar demais, decidiu perguntar a um trocador se sabia onde ela esperava o busão. O cara falou que certeza ele não tinha, mas achava que era perto de uma padaria no São José, bairro próximo do dele. Comprou muitos pães de queijo, água mineral, drops, bolo de chocolate, empadinha quando ficou horas observando a rua e o ponto. Deu voltas em todos os quarteirões do bairro. Foi em tudo quanto é barzinho.

A pretendida de Petrus devia ter viajado. Eram férias e isso era o que todo mundo fazia, menos ele daquela vez. Deu graças quando as aulas voltaram. Lá estava ela novamente. Blusa preta, coturno, fones de ouvidos, atenção fixa no celular naquele primeiro dia, nem dormiu. Não conseguiu sentar ao lado dela, estava ocupado, e mesmo que tivesse a timidez era demais, mas ficou na cadeira de trás. De rabo de olho viu as fotos das férias na praia.

Entreteu-se com as imagens. Viu paisagens legais, achou que era Búzios, quando viu Bardot na rua das Pedras teve certeza. De repente, a brincadeira ficou sem graça. A menina aparecia beijando outra menina. Começou a chorar. Disfarçou e voltou a olhar o celular. A mesma garota aparecia com ela várias vezes. Depois sumiu das fotos e apareceu um rapaz, todo arrumadinho, diferente dele. Abraço dali, abraço daqui e um outro beijo. Felicidade para Petrus, agora não havia mais problema, meninos também tinham vez com ela. O jeito era perder logo a vergonha para ao menos saber se ele tinha chance. Afinal, aquele rapaz e a moça não deviam passar de amores de verão. Mas já tinha chegado a hora de descer e a coragem nada de chegar…

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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