Velhos amigos, amigos velhos

Velhos amigos, amigos velhos

Nas esquinas da vida de gente crescida, encontro, por acaso, velhos amigos. Aconteceu outro dia na reunião de condomínio do prédio que irei morar. Eu já me preparava para ir embora quando dei de cara com o Marco Túlio, o Tuti. Descobri que o grande amigo da adolescência será meu vizinho!

Não foi a primeira vez que nos encontramos assim. Já o vi quando ele terminava a caminhada e eu começava. Foi um encontro em direções opostas que nos fez parar por alguns minutos.  E de coincidência em coincidência, soubemos dos planos e das novidades um do outro. Todas as vezes que nos vemos “sem querer”, acontece o que é próprio das amizades de verdade: parece que continuamos a nos encontrar sem hiatos. A afinidade sempre tratou de dissolver o tempo e a distância entre nós.

Esses encontros só deixam evidente que amizade vai muito além da presença e do saber um do outro constantemente. Quando encontro velhos amigos até me pergunto: por que mesmo a gente não se vê mais? A alegria é muita para deixar o acaso ter que dar um jeito de nos colocar no mesmo local.

A explicação, talvez: esses velhos amigos também são amigos velhos. Envelhecemos e cada um seguiu seu caminho. Conhecemos uma fase, hoje, que nunca imaginávamos existir na adolescência: a etapa das busca individuais, do que faz com que cada um seja como é. Por isso, mudamos de cidades, voltamos, ficamos com a agenda apertada e horários incompatíveis. Antes, os encontros eram marcados de acordo com compromissos que estavam em todas as agendas da turma que se gostava.

Mas não tem vida de adulto que consiga acabar com o elo entre quem se gosta de verdade. Basta um encontro, mesmo que breve, para descobrir. Eu acho que isso acontece pra me lembrar de dedicar um bocado de tempo a quem me faz bem. A rotina me dá umas rasteiras nesse caminho. Recebi um convite do Tuti depois disso para uma festa bacana em que ele iria tocar. Não fui e fiquei sentida. Apareceram uns imprevistos, desses fáceis de resolver, mas que bagunçam os planos.

Sei que em alguma esquina, e a partir do momento que mudarmos para o condomínio, vamos nos ver. A felicidade costumeira de quem se gosta de verdade virá. É tão de verdade que o destino escancarou na nossa cara: “agora vocês vão estar lado a lado, arrumem um tempinho para vídeos caseiros, música, cozinhar e tudo mais que os alegram, como nos velhos tempos”. Ouço isso toda vez que penso nesses encontros com esse velho amigo. Por mais que minha reação tenha sido de “que coincidência massa”! Ser vizinha desse cara legal, que é tão próximo de mim mesmo sem conviver, não pode ser apenas por acaso. Eu vou tratar de vê-lo, com dia e horário reservados. Marcarei na agenda um compromisso: me encontrar com o que nunca fica velho — as amizades antigas e sinceras.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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