Saudades de nascença
Chorou doído quando nasceu. Choro diferente, sentido, como quem já chega ao mundo sofrida. Era uma menina calma, dormia como um anjo, mas às vezes ficava com o olhar triste, o semblante pensativo. Ninguém com poucos dias sentia como ela. E não havia quem soubesse explicar. Os meses se passaram e a menina continuava triste, dessas tristezas que as crianças desconhecem.
A mãe levou a um pediatra, outro e mais outro. Tudo normal, diziam, mas nada da menina desinstristecer. Ela continuava a chorar, a olhar com o pensamento longe e a avisar com todo rosto que algo lhe doía. Um dia ela ficou amuada mais tempo. Recusou a papinha, o leite, nada servia. Se ia para o berço, murmurava. Se alguém pegasse no colo, chorava. E emendou um dia no outro com o sofrimento como companheiro. Dava pequenas pausas, como quem não aguentasse tanta dor mais, meio que para descansar.
A mãe começou a entrar em desespero. Os choros, a tristeza, castigavam cada vez mais a bebê. A esperança com os médicos tinha acabado. Começou a dar chás – camomila, erva cideira, toda sorte de ramo que diziam tranquilizar. Só que era tristeza, não era nervosismo. Rezar ela rezava em todo lugar, carregava um terço 24 horas por dia e pedia a Deus que mostrasse o caminho.
Em uma bela tarde a mãe resolveu passar na casa da avó e das tias da menina. O conselho das tias foi que a levasse numa benzedeira muito da boa que morava por ali. A mulher olhou a garotinha aflita, fez a benzeção, mas no final falou: “Não vai adiantar. Está menina sofre de saudades”. A mãe respondeu que era difícil de acreditar, pois a menininha havia nascido com aquela tristeza. A benzedeira sábia explicou: “Os bebês sentem muito antes de chegarem aqui, o que ela soube ainda no ventre?”.
A mãe lembrou que a mudança do marido para país distante era sempre assunto. Ele partiu quando a filha tinha apenas 40 dias. A mãe até lia as cartas que chegavam de lá, pouco para a menina que teve o pai menos de um mês junto dela. Arrumar malas e partir não estava nos planos. A família precisava pagar tudo que devia, só que a bebê não podia estar condenada a sofrer tanto de saudades. A mãe deu uma de louca sábia e foi.
Lá a menina começou a sorrir mais, principalmente nos braços do pai. Mas outro mal lhe atingiu, resfriados incuráveis, todas as ites que o frio com neve provocavam. Os dois não podiam partir, ela foi para os trópicos de novo. Voltou a chorar, entristeceu. Arrumou outra mãe, outro pai, os que a receberam. De vez em quando chorava doído, mas passava com o amor deles, ao ver que não tinha remédio.
E no dia que os pais voltaram, pouquinho tempo depois, pois a saudade do lado de lá também maltratou, ela sorriu, gargalhou, mandou tudo embora. Cresceu, separou-se deles, despediu-se várias vezes, sempre com a certeza do reencontro. E ela que sofre de saudades de nascença entendeu: o destino não era o adeus de sempre, mas o reencontro certo. Eles continuam a se separar e a se reencontrarem, com saudades irremediáveis.
poxa, bem forte esse texto. Gostei bastante ♥
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