Saudade do que nunca aconteceu
O presente tem o dom de acontecer mesmo contra a vontade. Se desenlaça diante dos olhos independente se aqueles que são fundamentais estão aqui. O futuro também chega com a força imbatível do tempo, dá rasteira no passado, onde quem se foi vive mais concretamente nas lembranças.
A saudade do que nunca aconteceu se diverte com a imaginação ou se entrega à perversidade da realidade.
Eu consigo ver minha mãe em alguns momentos importantes, parece que sei exatamente o que ela diria, o que faria. Quando recebo notícias tristes ou felizes, se preciso de apoio, se quero só jogar conversa fora eu a sinto, imagino, tento fazer a saudade do que nunca aconteceu ser menos triste. Vai ver ela também sinta em algum lugar escondido nos mistérios entre céus e terra que mal sonha a nossa vã filosofia.
A saudade consegue ser futuro. Quem parte deixa sonhos pela metade e a vida de quem ama sempre com um pedaço vazio no presente e futuro. O passado é completo mesmo que imperfeito. Bem ou mal a pessoa estava ali, para chorar, sorrir ou até dificultar, fazer raiva. Já o presente e o futuro são lugares onde mora a realidade dura da falta física da pessoa, é lar da saudade do que nunca aconteceu.
É espaço reservado para uma avó que nunca teve netos, para o sonho do carro com rodeira atrás, da Harley Davidson que cogitou-se em ter um dia e a síndrome do pânico social interrompeu. Saudade da cura que não chegou, de uma vida livre de antidepressivos. Saudade da casa que ainda sonho, das ofertas imperdíveis que ela iria me mostrar e convencer em comprar no cartão dela para pagar como eu pudesse.
Saudades do rosto enrugado e cabelos grisalhos que ela só temeu. Pra mim, saudade do que nunca aconteceu é a mais triste. Só que esse tipo de saudade também é lugar de fé, onde se sente que a presença do outro existe independente de tempo e espaço, uma saudade bem doída, mas nunca solitária.
Bem assim ?