Família: chamo de pai, mãe e irmão independente do DNA
Há quem considere família só pai, mãe e irmãos. Porém, pra mim família vai além. Talvez porque na minha vida, muitas vezes, tios, tias e avós me acolheram como filha. Meus primos foram verdadeiros irmãos. E essa história começou bem cedo.
Eu não tinha dois anos quando meus pais me colocaram em um avião nos Estados Unidos para desembarcar no Brasil. Eles trabalhavam cerca de 18 horas por dia para pagar uma dívida enorme. Enquanto isso, eu ficava com uma babá.
Meu tio, Edmilson, que estava lá, também ajudava a cuidar de mim. Dizem que eu passava de colo em colo até que adormecesse. Foi um luxo, como dizem em Ibitira, que meu pai colocou em mim mesmo com tão pouco tempo para me ter nos braços. Sobrava amor nas brechas do trabalho…
Essa rotina árdua, para meus pais, foi seguida até o dia que decidiram que o melhor seria eu ficar com minha avó materna até que eles voltassem. O clima americano também me deixava doente. No sítio, nos arredores de Divinópolis, eu respiraria ar puro, colocaria os pés na terra e teria gente me paparicando o dia todo.
Temporada de apego
Antes de chegar na roça, a tia Zirlei buscou-me no Rio de Janeiro e levou para Belo Horizonte. Eu estava com um casal de amigos dos meus pais que nunca vi depois de adulta. O nariz escorrendo confirmava o quanto eu era frágil ao tempo dos Estados Unidos. Fato é que, ao chegar em BH, minhas primas se apegaram a mim. Fiquei tão afeiçoada a minha tia também que mordia quem chegava perto dela. Tia Leia fez as vezes de mãe e as meninas – Rachel, Alê e Andrezza, mostraram-me o que era ser irmã antes que o Julinho nascesse.
Fui embora para o sítio e tive outra figura que fez tudo que minha mãe faria se estivesse comigo, minha vó Zeni. Meus tios também ajudavam na tarefa. A esta altura, eu chamava muitas mulheres de mãe e muitos homens de pai. As cartas não paravam de chegar dos Estados Unidos.
Daqui, todo mundo me fotografava e filmava para que meus pais pudessem me acompanhar. Foi uma jornada que durou 11 meses. Meu pai conta que quando fui embora minha mãe disse que eles trabalhariam ainda mais para voltarem o mais rápido possível. Porém, sem dívidas e com um pé de meia para recomeçar no Brasil.
A família cresceu pelo afeto
Quando voltaram, fomos morar em um sítio em Ibitira. Muita gente achava que eu era americana de tão pequena que fui para lá. Tudo que eu queria, na infância, era lembrar de como havia sido. Amor não me faltou com eles longe nem perto. Comecei a inventar jeitos de ter quem amo junto, mesmo com a distância. Até onde sei, nunca me queixei de eles terem ficado longe. Meus tios, tias, amigos deles até e primos trataram de espalhar amor por toda parte.
Cresci e continuei a entender como família mais do que pai, mãe e irmãos…
Entendo que família vai até além do sangue. Em Ibitira, com todas as pessoas que dizem ser família de verdade debaixo do mesmo teto – pais e irmãos – reconheci, em dois senhores, avós. Eu visitava muito minha avó Zeni e Rita. Porém, encontrei na Maria e no Toninho família. Comecei a frequentar a casa deles.
Quando meu pai foi para os Estados Unidos na minha infância, na mesa da vó Maria matei minha fome de almoço de domingo. Substituí o macarrão ao sugo que ele fazia pelo macarrão seco da vó. Chorava de saudades, muitas vezes, debruçada no murinho que dava para a rua de terra. Desabafava sobre tudo.
Vó Maria era minha confidente e se vertia lágrimas sempre que eu me despedia, mesmo sabendo que no domingo seguinte eu estaria lá. O vô brincava o tempo inteiro, me dava abraços grandes como o mundo.
Eles me viam como neta. Assim, a minha família cresceu mesmo sem laços sanguíneos, mas com uma proximidade que não tenho com alguns que estão na minha árvore genealógica. Apesar de compreender que familiares não são só os progenitores e irmãos, também tenho meus emaranhamentos com quem divido o DNA.
Quando saí para estudar, minhas tias me acolheram como mãe, novamente. Depois de um mal-entendido em uma república, a poucos meses do vestibular, a tia Leia, aquela que me buscou no Rio, quando eu era criança, ofereceu a casa. Com a liberdade de quem é bem próximo, eu sugeri que eu ficasse na casa da minha tia Lene. Minha mãe conversou com ela e por lá fiquei até que a aprovação no vestibular chegasse.
Todo mundo me acolheu como família. Meus primos, Valesca, Waltinho e Carol, foram, de novo, irmãos. Companheiros no dia a dia, ajudavam na rotina e nos divertíamos juntos. Nos fins de semana, e até dias úteis, eu ia muito para a casa da tia Leia, me sentia como estivesse em Ibitira. Não desgrudava da Rachel na época. Com os outros tios, era a mesma coisa, sempre à vontade porque assim eles faziam eu me sentir.
Nos outros compromissos de família, os mais de 20 netos da dona Rita também reforçavam o sentido amplo que dou a essa palavra. Às vezes, os primos mais distantes, de segundo, terceiro grau, como a Marina, eram promovidos para o time das manas, como as primas mais próximas se chamam. Agregamos a Lise e a Raquel Gontijo também, amigas que cresceram com a gente, à família.
Hoje, com meus irmãos e pai longe, da minha mãe em outro plano, sinto que eles estão próximos. Mas sou grata por ter feito laços para além da minha família nuclear. Em Divinópolis, me sinto mais confortável por saber que aqui estou relativamente próxima dos meus.
E talvez família para mim seja só pai, mãe, irmãos e avós mesmo.
Afinal, quantas vezes chamei – ou ao menos considerei – minhas tias, meus tios – pais e meus primos – irmãos? Quantas vezes liguei para saber notícias da Maria e do Toninho que por anos eu tomei bênção?
Assim, família não é só pai, mãe, irmão e avós. É todo mundo que posso chamar de pai, mãe, irmão e avós mesmo que me digam que não são.
Muito lindo Irmanzinha do coração ?