Presente diferente de dia das mães
Era uma sexta próxima ao dia das mães. Para mim era uma tarefa difícil dar presente, minha mãe tinha loja, uma das poucas da cidade na época, e todas as vezes ela sabia que eu escolheria um produto de lá. Por ficar muito tempo com ela na loja, ouvia algumas mães reclamarem que pagavam o próprio presente. Eu escutei tanto a frase que o presente de dia das mães se tornou minha maior preocupação quando eu tinha oito anos. Eu caprichava nos desenhos feitos por mim na escola, porém era pouco. A loja era em frente à escola e por vezes eu a via olhando pela grade em direção a minha sala.
A apresentação para as mães também era previsível, depois do recreio formávamos filas para cantar as músicas de praxe, declamar os jograis e lá estava ela, do outro lado da rua, ouvia o ensaio por 15 dias e depois acompanhava as apresentações. Se emocionava, entretanto não havia nada de novo para ela nas homenagens.
Foi ao contar o dilema para minha amiga, a Karina, que tivemos uma ideia extraordinária, pelo menos para nós. Podíamos fazer um buquê com flores da mata perto do sítio em que eu morava. Era um pouco afastado, rodeado pelo cerrado e muitas flores diferentes das que víamos nas casas. Lá minha mãe nunca ia.
Saímos e levamos umas sacolinhas de supermercado para colocar as flores. Nossa busca foi feliz, encontramos flores das mais diversas cores. Eu jurava que eram desconhecidas para minha mãe, ignorava o fato de ela ser mais velha e já ter andado por aquelas bandas na infância e juventude. Mas a falsa ideia bastava para minha alegria. Como minha mãe ficava o dia todo na loja, aproveitamos a tarde para montar o buquê. Lembro-me que eram flores brancas, amarelas e roxas. Ficou bonito e eu mal podia esperar para chegar o momento de presenteá-la. A Karina gostou da ideia e também fez o mesmo presente.
Só tinha um problema: até domingo tínhamos que escondê-las. Tivemos a brilhante ideia de colocar os buquês dentro de uma caixa de papelão e levar para a casa da Karina, pois nada escapava aos olhos da dona Neuza. E na casa da Karina tinha o esconderijo perfeito, um quartinho cheio de guardados, a caixa se camuflaria facilmente ali. Foi o que fizemos. O domingo chegou e mesmo no dia do descanso minha mãe abria a loja até meio-dia na época, eu dei uma saidinha e fui buscar o lindo presente. Só que ao contrário do que imaginava, estava tudo seco, murcho, algumas flores tinham até perdido a cor original.
Plano B
Foi um desespero danado. Rapidinho ela fecharia a loja e as comemorações iriam começar. A Karina também não sabia o que fazer, nem dinheiro pediu para comprar o presente e pendurar na conta da mãe ela não queria, ficou encucada como eu ao saber que as mães reclamavam. O único recurso foi chamar meu pai para salvar aquele dia das mães. Só que nós não gostávamos de nenhuma das soluções propostas: chocolate, flor de jardim, nada parecia um bom presente. A Karina dizia a todo momento:
— Na loja da Neuza que é bom mesmo, tem muita opção, só que não quero anotar pra minha mãe pagar.
Aí meu pai propôs de ele anotar separado para ela pagar a ele depois. Tratou de levar minha mãe em casa e disse que iria me buscar. Antes de voltarmos, ele abriu a loja só pra gente e escolhemos os presentes. Para mim foi difícil, fui no estoque e peguei a blusa mais antiga, lá no fundo. Eu pensava que ela não devia se lembrar da peça mais, parecia compra de muito tempo. E finalmente meu pai deu uma ideia convincente: escreva um bilhetinho, não tem preço e elas vão gostar.
Impossível lembrar do que escrevi, mas sei da última frase, antes da minha assinatura: “Mãe te amo!”. A blusa era mesmo previsível, o recado escrito não. Para a mãe da Karina também era a primeira dedicatória dela. E foi exatamente ao ler o papel que vi os olhos dela brilharem e quase desaguarem Quando acabou de ler, me deu um abraço e falou:
— Que lindo, minha filha, primeiro cartão seu para mim com sua letra.
Finalmente eu havia conseguido meu objetivo, o dia das mães teve algo diferente, novo aos olhos da minha mãe.