Pois é, Célio Manga

Pois é, Célio Manga

Fiquei sem ver o Célio Manga por uns dez anos. Longe da família para estudar em Divinópolis, ele foi um dos pais de amigos que me recebiam na sala de casa. Ao me encontrar no camarim do show da Maíra, filha dele que compartilha a cantoria bonita como dom, o comentário foi que se lembrava do meu jeito calmo de conversar, que gostava de me ouvir. Um baita elogio vindo de um cantor, gostar de me escutar. A prosa, ele observou, já tinha um ritmo mais acelerado.

Pensei: “deve ter pegado galope na agitação da cidade grande, da vida corrida”, já que eu, na época em que ele me conheceu, tinha acabado de sair de Ibitira. No outro dia, sentei-me à mesa junto com ele e a família toda. Foi um almoço vegetariano com a calma que minha voz ibitirense tinha para colocar dez anos de vida em dia.

Tentei fazer um compacto da última década e ouvir as histórias dos últimos dez anos da Maíra também. A Marildes, mulher do Célio, comentou: “o rosto tá igualzinho”. O Célio completou: “ela não tem a fala tão mansa mais, adorava ouvir a voz sem pressa”.

Tentei até a falar mais devagar. E por mais de duas horas, a vida ganhou o ritmo de quem senta na pracinha de Ibitira ou na sala de estar. Trocamos presentes. Ele autografou um CD dele, a Maíra o dela. Eu entreguei uma caixa com haicais, uma carta pra Maíra e marcadores do Texto do Dia.

Saí feliz por apesar de a vida ter me acelerado, eu ter tido a bênção de sentar para conversar sobre o passado, presente e até futuro. Dias antes, ele e a Maíra haviam gravado a história de uma música linda para o Notícias do Bem(no fim do vídeo inseri). Ouvi várias vezes, sem cansar, em todas me surpreendia com a beleza da canção como se fosse a primeira vez que a escutasse.

Na última vez que o vi o Célio a conversa foi bem breve. Eu, coincidentemente ou não, me sentei na fileira à frente dele no mais recente show da Maíra em Divinópolis, no finzinho do ano. Ele conversava com outras pessoas e não interrompi, só dei um oi.

E hoje, na agitação do meu dia, em que eu falava acelerada pra dar conta de tudo, a notícia de que o Célio havia partido me paralisou. Desacelerei os gestos, a voz, fiquei desde que soube recordando todos os momentos que estive com ele e toda família. Ouvi “Pois é”, música dele, minha preferida, mais umas 20 vezes como faço sempre, porque escutá-la apenas uma vez é impossível pra mim.

Ao chegar para me despedir por hora do Célio “Pois é” estava lá de novo. Imprimiram um frame do vídeo feito para o Notícias do Bem com um trechinho da música. Reconheci de pronto e achei linda aquela frase recortada ali para o “até logo” ao Célio. “Só Deus sabe o que eu fiz pra te fazer tão feliz”.


A Maíra, minha amiga de mais de dez anos, achou até que era coisa minha. Não era, mas me deixou mais comovida ainda. Devo saber “Pois é” de trás pra frente, mas lindamente a música me revela coisas novas a cada repetição. Vai ser um jeito bonito de eu ver, ou melhor, continuar a ouvir o Manga. Como li uma vez, alguém só vai embora totalmente quando as pessoas param de falar em quem partiu. Neste caso, troco o verbo por ouvir que fica mais coerente e feliz. Na minha casa o Célio vive em acordes lindíssimos.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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