O único vício das mulheres quase centenárias

O único vício das mulheres quase centenárias

As duas viciadas em vida com netos

As duas viciadas em vida com netos

Vê se pode uma senhorinha de 90 anos e uma de 73 dizerem que viveram pouco até agora. Para elas, a vida é um vício. Um vício que vai muito além de somar números na idade. Um vício que tira a dona Zeni todo dia da cama para tratar das “criação”, cuidar das plantas e se atualizar sobre o que acontece no mundo pela televisão. Um vício que faz a dona Ritinha ficar com as malas sempre prontas para um passeio; cuidar de netos como se fossem filhos; preparar a casa.

É um vício que nenhuma das perdas, das mais variadas que elas tiveram, conseguiu fazê-las ter menos vontade de viver; nenhuma necessidade abateu; nenhum desgosto balançou. A Zeni leva tão sério o vício que a cada descoberta sobre planta medicinal ou verdura, incorpora no cardápio. Os poucos remédios que precisa, ela toma religiosamente.

E a dona Zeni dia desses falou que se pudesse escolher queria morrer que nem passarinho.

— Na verdade, querer eu não quero, mas já que não tem jeito, se Deus puder me atender… – emendou na prosa.

A dona Rita já fala em tom de quem desconhece o fim. Quando a cumprimentei no seu aniversário de 90 anos pedi que ela ficasse mais uns 30 com a gente, logo disse que uns 10 garantia, para bater a marca dos 100. Fala com alegria também sobre as idas ao médico.

— Ele falou que minha saúde tá tão boa que é para eu convidá-lo para a festa dos 100! – exclama com um sorriso no rosto. 

E que médico mais sabido, se tem uma coisa que ela não abre mão é de festa. Nos 89 dispensou almoço e até felicitações, disse que trocava aquele aniversário por um com uma celebração de arromba no ano seguinte. Não só festa, queria 90 presentes, um pra cada ano. E ela ganhou muito mais.

Saber quantos anos a dona Rita vai viver eu não sei, mas uma certeza tenho: sempre vai ter festa em cada primavera, menores nos anos quebrados e grandes nas datas marcantes. Já a dona Zeni é mais caseira e vai ficar contente com minha visita, ligação ou beijo, presentes simples como ela. Embora a dona Rita pareça pedir muito (festanças), no mais ela é bem modesta também.

Aliás, me engano, uma pessoa que quer viver demais e acha que tá aqui há pouco, mesmo quase centenárias, é modesta? De jeito nenhum! E quero ser que nem elas, pedir pouco, exceto tempo de vida.

 

 

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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