O que a memória ama

O que a memória ama

O que realmente faz diferença eu me lembro naturalmente ou em um bom papo com os amigos. Não há páginas de diários, e muito menos Facebook, Time Hop, que tomam o lugar do que se eterniza sem esforço. Como diria a sábia Adélia Prado, “O que a memória ama fica eterno”.

Tenho lembranças de quando eu era muito pequena sem saber bem porque, porém que passam pela minha mente como carinho de pai e de mãe, irmão, amigo. E basta. Não preciso entender porque alguns fatos que parecem fortuitos estão tão vivos em mim, na verdade eles são muito valiosos. Recordo coisas da adolescência, de ontem, de uma década ou mais atrás e esqueço muitas outras, milhares ou milhões.

Mas há fatos que foram diluídos pelo tempo. Daí, quando o Facebook vem me lembrar não adianta muito. Tenho chegado a conclusão de que me lembro de pouquíssimas coisas. Aqueles lembretes da rede sempre me põem em dúvida do que é que eu deveria me recordar. Sim, muita lembrança fica confusa por ter sido registrada piada interna, episódios que faziam sentido no passado e hoje parecem nem terem acontecido.

É um alívio ver como o tempo tira o peso de muita coisa. Às vezes alguém comenta comigo sobre uma fase difícil, daquelas sofridas e eu me pergunto se foi tão ruim assim mesmo. Talvez tenha sido na época, mas o tempo fez a maioria das coisas correrem mais suaves, macias. Certas raivas que passei nem parecem fazer sentido. É certo que há sentimentos e fatos que nunca vão embora, mesmo ruins, porém o tempo trouxe o entendimento necessário para o passado não parecer tão ruim. É por isso que quando estou em sofrimento, penso se será motivo para ser recordado ou se cairá no esquecimento, mesmo que o Facebook tente fazer minha memória acordar. Quando mais nova, traduzia tal pensamento com e célebre pergunta filosófica:

“De que vale isso daqui a 10 anos?” 

Alguns fatos nem em cinco vão valer mais nada, como as recordações virtuais têm mostrado. Não sei se estranho mais a quantidade de acontecimentos que tiveram a importância perdida, com o quanto publicávamos ou com a seletividade da memória. Poucos são os momentos que penso: “ainda bem que o Facebook me lembrou, já havia me esquecido e foi mesmo legal”. Na maior parte das vezes não vejo sentido nenhum no que foi lembrado e eu já havia esquecido há anos. É muito esquisito porque se o fato tivesse caído completamente no esquecimento não faria falta alguma, mas certamente fez minha alegria, ou tristeza, nos dias em que publiquei, vivi…

O mais legal é que vi que as lembranças realmente me mostram o que foi muito importante pra mim. Estou certa que devo lembrar de 1% ou menos só do que vivo, o que fica gravado é algo significativo, pro bem ou para o mal. Penso que por isso seja difícil esquecer algumas memórias tóxicas ou acomodá-las de forma que não façam tanto estrago, só fiquem os ensinamentos delas, sem ressentimentos. Tento diariamente quando algumas insistem em me atordoar. A memória é muito seletiva, me recuso a acumular o que me faz chorar em vez de sorrir.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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