O brilho do bronze: um diário de luto comovente
Perder alguém essencial é muito difícil. Eu tentei mergulhar dentro de mim e olhava para os céus para entender tudo que acontecia, mas não bastava. Há um ano e meio ainda fico as voltas para compreender, embora eu tenha sentido a saudade um pouco menos desesperadora. E em uma dessas tentativas de entendimento, um belo diário escrito depois de uma perda, caiu em minhas mãos.
Uma pessoa que também passa pelo mesmo processo, embora em outra etapa, emprestou-me o livro O brilho do bronze, de Boris Fausto. Molhei várias páginas com lágrimas, não por ser uma escrita dramática, fúnebre, porém por ser uma das mais bonitas formas de lembrar de quem se foi. No caso, Boris recorda da esposa de forma muito singela e bem-humorada.
Há sutilezas doídas, sentidas, penso eu, apenas por quem perdeu alguém que amava.
Um ponto, especialmente, chamou a minha atenção. O viúvo sempre fala que os mortos incomodam. Eu tenho todos os motivos para concordar. Sinto necessidade imensa de contar causos, falar do que aconteceu de bom comigo e minha mãe e por vezes me vi sozinha, com as palavras caladas e desviadas para outros assuntos. Os mortos incomodam mesmo, mas só permanecem conosco se forem lembrados. Hoje as pessoas se incomodam menos quando falo, parece que o tempo realmente deixa o luto menos duro.
Aliás, no artigo que mencionava o livro, o autor diz que só deixamos de existir quando nosso nome deixa de ser pronunciado. Daí não adianta ninguém querer que eu me cale, vou falar na dona Neuza e de todo mundo que se for e eu amar até meu último dia, sempre com saudades, com menos dor a cada vez que eu pronunciar os nomes, tenho fé.
Também é muito bom de ver como a vida continua. Em “O brilho do bronze”, Boris Fausto leva o dia a dia adiante, como deve ser. Cumpre agendas profissionais, familiares e sociais. É claro que por vezes a tristeza o pega de jeito e a escrita aparece um pouco mais melancólica, entretanto, em momento algum ele se entrega. Tem espaço para a felicidade também. Afinal, a vida é assim, não acontece só o que é ruim, é preciso ter tato para sentir o que vem de bom mesmo em um momento de dor extrema.
E olha, para não deixar de fazer tudo na época que minha mãe se foi, até o que eu gostava, foi preciso querer muito, porque houve dias, muitos deles, que dormir parecia ser o melhor remédio. Não existia o que fazer acordada que melhorasse. Ter obrigações, uma rotina, ajudou, responsabilidades mostravam que se eu dormisse iria acordar com tudo bagunçado. Boris teve uma postura mais ou menos assim, não deixou de fazer o que era preciso e tentou entender o que ninguém explica.
A parte que mais me comoveu foi a do aniversário dele. Acordou mais velho sem a montanha de beijos da esposa, presentes e mimos. Essas datas são carregadas de recordações, boas, mas que doem. E apesar de toda dor, o octagenário Boris quer ficar aqui durante muito tempo. Em uma das páginas ele cita Ziraldo, que diz que está preparado para morrer, mas não tem pressa. Ele fala que não tem pressa também e que não está preparado, ainda reflete: será que um dia estarei?
“O brilho do bronze” traz reflexões muito interessantes, é super indicado para todo mundo, mas faz mais sentido ainda se o leitor tiver perdido alguém que amava. Eu me identifiquei muito com Boris, deu vontade de pegar o telefone do autor e chamá-lo para bater um papo e tomar café. Com certeza falaríamos o dia todo dos nossos amados e de outras histórias, pois, como já descobri e ele mostrou, seguimos, vivemos, com alegrias e tristezas naturais de quem ainda está por aqui.
Que bom que gostou!