Lentes da saudade
Volta e meia acho uma mulher parecida com minha mãe. Dou logo um jeito de achar assunto e contar, raras são as vezes que deixo passar. Mostro as fotos no celular até para quem acabei de conhecer, falo o que elas têm em comum, só que nenhuma me disse que eram de fato parecidas ainda. Pode ser pela falta de jeito quando me perguntam se ela ainda está aqui e respondo que já partiu ou porque a semelhança não seja tão grande mesmo(pra mim sempre é).
Ela era de uma beleza diferente. Olhos grandes, cabelos cacheados desde a raiz, traços marcantes, nem era pra ser tão frequente ver outras parecidas. Mesmo quando fico tímida comento com alguém por perto que a conhecia: “fulana me lembra minha mãe”. É mais comum que eles concordem sobre a semelhança do que quando falo diretamente para a pessoa, solidariedade.
Também fico muito feliz quando dizem que sou parecida com minha mãe. É mais comum entre as pessoas que conviveram com ela mais jovem e os mais próximos, meu pai e irmãos, riem quando falo que fiquei a cara dela em algumas fotos.
Vai ver a saudade coloque lentes diferentes nos olhos, capazes de fazer enxergar quem está longe até onde ninguém vê.
Até eu estranho a alegria que me dá. Fico feliz sempre que vejo um pouco dela em mim e em outras mulheres. Vem um sentimento bom, uma alegria saudosa, porém ainda assim alegria. As pessoas se entristecem e eu estou lá, com um sorriso no rosto porque vi um olhar, um jeito, um pouco da minha mãe por perto. É que aprendi a conviver com a presença da falta. A dor se acomodou, embora saia do lugar de vez em quando e faça estragos até encontrar o caminho de volta.
Alegria mesmo é quando estou diante de um problema e a voz dela chega como se estivesse na minha frente porque como eu falo, mãe não morre nunca.