Jardim de saudade
De repente, veio o desejo de comprar a planta prevista no meu projeto, bem na época do isolamento social. Meus amigos diriam que é a idade. Aos 30, existe um grupo que se torna pai de planta. São descritos, nas redes sociais, como pedintes de mudinhas por aí. Quem faz parte dessa turma ainda volta do supermercado com vasos de suculentas e, às vezes, até esquece do pacote de arroz que foi buscar. Estou desconfiada de que sou integrante dessa classe.
Ficar 100% em casa também me fez olhar para todos os cantos do meu lar com ainda mais carinho. Constatei que falta vida aqui. E nada mais significativo do que algo que dê semente, frutos, flores e renasce para trazer mais vigor.
Assim pensei. Porém, junto a todos esses detalhes, existe uma razão bem minha para a vontade de comprar uma planta ter aflorado. Quando estou em um jardim, vejo uma flor bonita ou uma árvore proeminente, sinto meu pai mais perto. Nós já estamos totalmente distantes geograficamente há dois anos. Durante toda vida, foram várias partidas e reencontros.
Tive que inventar maneiras de trazê-lo para perto.
Ele já teve vários empregos, mas vejo que é como jardineiro que se encontrou. Na mais recente vinda ao Brasil, visitamos muitos jardins para ele checar como estavam. Fizemos longos desvios só para ver árvores. Meu pai xingou donos desleixados, elogiou os que cuidavam direitinho de tudo que ele semeou. Meu pai é um visitante de flores.
Por isso, fotografo flores e tantos jardins para mandar para ele. Pergunto nomes de espécies desconhecidas para mim e a resposta é mais veloz do que o Google. Essa foi uma das formas de trazê-lo para perto, de não me sentir isolada, de abrandar a saudade…
Se o assunto é planta sei que vem por aí mais um micromomento de felicidade. Desde ontem eu olhava para o local que receberia o novo adorno. Hoje, sentei no sofá e comecei a imaginar o quanto a casa se encheria de vida com o verde lá, em destaque, entre tons de marrom do painel de TV.
Logo, contei para o meu jardineiro onde o vaso ficaria. “Não bate sol, mas fica perto da janela”. Ele sugeriu pacová. Porém, a planta não dá o efeito desejado. Conversamos mais um pouquinho e chegamos à conclusão de que comprarei uma jiboia assim que eu puder sair de casa. “É fácil de cuidar, pode podar sem medo”, ele arrematou para me convencer de que essa era a planta perfeita.
Floresceu um jardim em mim depois dessa conversa. Sei que a jiboia, sob o móvel que ele me deu de presente, criará mais um ponto de conexão entre nós. Será como os cactos e suculentas que ele e minha mãe plantaram para mim quando me casei. Até hoje elas estão na minha janela. Há sete anos, a gente cuida para que eles permaneçam com a gente. Meu pai diz que é surpreendente o tempo de duração desses vasinhos. “Normalmente, temos que trocar antes!”, conta.
Porém, olho para eles com tanta alegria que não me canso de tirar mudinhas de cada um para garantir que elas continuem vivas. Perdemos as contas das podas, replantios e tantos outros procedimentos para manter vivos o que elas simbolizam: meu pai e minha mãe bem próximos de mim.
Observação: a foto de capa mostra o arranjo que meu pai fez para receber eu e meus irmãos em casa um dia. Ele também comprou empadinhas, mini-pastéis e cajuzinho que a Beatriz fez para a gente.
Belíssima forma de tentar matar um pouquinho a saudade de alguém que se ama tanto!