Joelhos
Muito difícil eu passar por aquela rua. Não faz parte do meu caminho habitual do dia a dia. E também não é a ligação preferencial das duas avenidas que eu tava usando.
Mas, né, naquele dia específico calhou de eu ter que passar por lá. Daquelas escolhas inconscientes que a gente faz aos montes, não raciocina e só segue.
Já tava começando a anoitecer, mas eu tava indo atrás de uma pauta que precisava fechar. Era a última apuração do dia, in loco. Alguns postes já iluminavam a rua brigando com a o sol que ia embora.
Numa das calçadas a concentração de árvores tampava as duas fontes de luz, e foi com certa surpresa que eu notei duas pessoas ali embaixo.
Ela tava sentada na beirada de um alicerce, em que se apoiava a grade que lhe subia pelas costas. Ele tava ajoelhado aos pés dela, segurava-lhe uma das mãos – mas as expressões iam longe de um pedido de casamento.
Eles também meio que se assustaram de me ver, mas esperavam o quê? Eu sei que dificilmente eles escolheram ter uma DR naquele lugar, mas, uai, era o que tava rolando!
Passei bem rápido, procurando não encarar ninguém, não olhar pro lado, fingir que não vi mesmo. O constrangimento tava meio generalizado, alastrado em todo mundo.
Porém, depois que passei eu fiquei refletindo sobre o que é que tinha acontecido ali. Por que o rapaz sentiu que tinha que ajoelhar, ali na rua, pra olhar a moça nos olhos e dizer o que quer que tivesse que dizer?
O semblante dela era de uma tristeza resignada e meio raivosa. A dele, de um certo remorso contido e contrariado. Era certo de que o erro fora dele. E tava ali, de joelhos, tentando consertar.
Não deu tempo de ver se conseguiu. Apesar do constrangimento, porém, a cara dela meio que me transpareceu o interesse de ouvir o que ele tinha a dizer.
Era evidentemente um esforço mútuo de tolerância. Ela, do que sentia em função do que quer que ele tivesse feito. Ele, da culpa que carregava nas costas – pelo que quer que tivesse feito.
Saí de lá registrando fundo na memória o conjunto de sensações que pairavam com tanta densidade no ar que dava pra cortar com uma faca. Torcendo pra nunca precisar passar pela mesma situação.