Desacato à humanidade
Há pouco mais de um mês fui vítima de um acidente em uma viagem para o litoral de São Paulo. Eu, meu pai e marido, Geraldo, ocupantes do carro, ainda sentimos as consequências do capotamento, cada um de uma maneira. Fisicamente, graças a Deus, eu e meu pai estamos 100%, só o bolso e o psicológico ainda sofrem. Meu marido teve que se afastar do trabalho quando já havia voltado ao batente e se cuida com repouso, bolsas de gelo e fisioterapia. E todos três arcam com as despesas, meu pai ainda mais.
Só que hoje fomos surpreendidos por três multas de trânsito, uma delas por desacato à autoridade. Tudo porque os policiais nos pediam a documentação das vítimas para “as vítimas” assim que chegaram ao local do acidente com insistência. Aí, meu pai disse: “calma, estamos procurando, querem nos ajudar?”.
Estava realmente difícil. Chovia e eu tremia, mais de nervosismo e preocupação com o Geraldo ainda inconsciente, com os olhos roxos e inchados do que pelo frio. Nossos pertences ficaram revirados e mesmo que o documento estivesse em minhas mãos eu teria dificuldade de enxergar.
Segui para o hospital com meu marido e meu pai foi para a base da Polícia Rodoviária. Lá ainda teve que ouvir algumas piadinhas, há mais de 700 km de casa, com um carro para guinchar e a filha mais o genro no hospital. No final, um dos policiais até pareceu querer se redimir e ajudou, levou até uma cidadezinha para que ele pudesse telefonar, já que onde estava, na rodovia, o sinal de celular era muito ruim.
Resolvemos tudo com muita dificuldade, mas pelo que poderia ter acontecido conosco não reclamei em nenhum momento, relevamos as gracinhas dos policiais e só agradecíamos sempre que lembrava de como o carro ficou. Evitei até falar no assunto para quem não é do meu círculo pessoal, mas ao saber da multa por desacato não tem como ficar calada.
Foi desacato sim, mas dos policiais à nós, à humanidade. Não souberam atender a uma ocorrência com pessoas que haviam acabado de se acidentar. Tá certo que meu pai teve apenas alguns arranhões, mas o Geraldo assustava com o machucado no olho e a dor no ombro. Eu também tive ferimentos pequenos, mas não estava em condições de ajudar ao policial, como ele mandava, esperava o contrário, que ele me oferecesse a mão.
Ainda bem que antes de sair do carro já havia outras pessoas, voluntárias, que não recebem nada para servir ao público, como os “servidores” indispostos. Bem diferente do que fez o pobre policial desacatado, a turma de Guarulhos nos ajudou a sair do carro, chamou o resgate e cederam até a roupa que vestiam.
Eu espero que este texto não seja considerado um desacato à autoridade, meu pai foi multado por falar bem menos.
Revoltante… Sem palavras