Contrariedade: a alma do avesso
Nó na garganta. Dor no peito, na cabeça. Peso sob os ombros, articulação dolorida. Estômago com borboletas ou com o peso do mundo. Às vezes aparece nos exames, às vezes não. Diz minha vó que mata e só se salva quem aceita a vida como ela é. Eu concordo pela metade, pois há de haver muitas outras salvações.
Mas contrariedade é um trem danado. Efeito colateral e causa de males. Estar contrariada é ter a alma do avesso, ao contrário, como a palavra já tenta alertar. Tem quem ache que é o lado certo até, que é normal. É que a gente aprende quando do lado errado, do certo também, pouca gente vê.
E a contrariedade é tão danada, intensa, que é expulsa da alma e vai pro corpo. Não é lugar dela a alma. É uma briga, conflito do espírito. Tem quem sinta menos os males da contrariedade por explodir, usa o corpo para expulsá-la, que é onde ela encontra lugar, a alma não aceita. Eu implodo, os cacos ficam concentrados em mim, explodo pra dentro. Vem mais dor, somatizo. Não brigo, me calo, de vez em quando escrevo, mas quase nunca quando o pavio está aceso dentro de mim. Porém, eu continuo a sentir.
Sou corpo e alma na vida, inteira, para o bem e mal. Demorei para saber. Tem hora que contrariedade nem tristeza é. Há casos que sou eu evitando ficar triste em vão porque tem dor que só passa se doer mesmo. Quando a tristeza é demais contrario junto. Fico do avesso e triste, tento me salvar, sempre há um jeito.
Eu tentava curar-me só mentalmente, mesmo que todo resto estivesse quebrado. Um dia parei para respirar, meditei. Coloquei um tênis no pé e corri. Corpo e mente descontrariando.
No final, depois que arrumei um jeito de sacolejar tudo, cada centímetro de mim, a paz voltou. Afinal, se a contrariedade me toma toda, hei de sacudir-me por inteiro. É assim que a contrariedade deixa o corpo, abrigo de tudo que o espírito não suporta. A alma também volta a ter paz, pois mesmo mandando o mal para a cabeça, estômago, músculos, ela não deixa de guardar resquícios dos contrários.