Conto de amor pós-moderno

Conto de amor pós-moderno

O coração de Clarice ainda tentava entender porque Igor havia terminado com ela por telefone. Ele sumiu por semanas da porta da escola, não mandou mensagem e só falou com ela quando a moça engoliu o orgulho e ligou para ele. Pronto, namoro de três meses acabado. Igor disse que o problema não era ela, mas ele. Clarice apenas falou “tudo bem” quando o mundo desabava dentro dela.

Desligou o telefone e logo após ligou novamente: “Igor, seu livro e moletom estão comigo”, na esperança de que ele fosse encontrá-la. “Mando alguém buscar”, foi o que ela ouviu do outro lado da linha. E assim foi, friamente depois de meses de uma paixão quente que ainda queimava no peito de Clarice. A moça não quis sair de casa por semanas. Chorava, trancava-se no quarto, dizia que tinha muito o que estudar e nada lia. Dormia e acordava aos prantos quando sonhava com Igor.

A sorte é que no ano seguinte ela iria se mudar da cidade para estudar. Lá foi ela com todas as lembranças de Igor, raiva pela falta de consideração com ela e por não conseguir esquecê-lo. Porém, o dia a dia a fez se envolver com muitas atividades e a pensar menos nele. Entretanto, todas as vezes que saía pra balada pensava no quanto seria melhor namorar, sofria, e muito.

Numa bela manhã de frente para o computador, a surpresa. Um certo Igor havia passado pelo Orkut, rede social que havia acabado de implantar um recurso para avisar quem bisbilhotava o perfil. Bastou para as esperanças se multiplicarem. Só que elas acabaram quando clicou no nome, o perfil era de um xará do ex, lá do Rio de Janeiro. Ah, que coincidência. Mas não parava por aí – aquele Igor fazia aniversário no mesmo dia que ela. E tinha mais, estava com prova marcada na capital carioca.

namoro-pela-internet

Não deu muita importância, desiludida como estava. Continuou os dias. O pior, o rapaz sempre voltava no perfil dela, Clarice retribuía a visita. Ninguém trocou uma palavra por muito tempo até que Igor resolveu questionar, o que tanto a moça fazia no perfil dele? Claro que ela mentiu. Falou que era ele que havia começado, não admitia que as coincidências a impressionavam.

Trocaram contatos, começaram a conversar. Se espantaram com a data de nascimento. Ressabiada que era, Clarice não contou que iria ao Rio. O moço começou a falar que queria escutar a voz dela por telefone. Ela fingiu não ouvir até que cedeu.

E ele ligou, óbvio. Justo quando ela embarcava para o Rio. Esqueceu os temores de encontrar alguém que havia conhecido pela internet e contou tudo, chegaria na cidade 6 da matina para fazer prova no outro dia.

Feito, iriam se encontrar. Porém, antes Igor tinha que trabalhar. Apareceu na porta do hotel 21h30, pegou a moça pelo braço e foi pro Arpoador. Conversaram até 3h. O moço lembrava o xará na cor morena, na idade. Clarice sabia que o encantamento por ele vinha daí e não poderia sucumbir ao desejo de dar-lhe um beijo. Ele também não podia se deixar levar por uma simples data de nascimento igual, já que ignorava todo resto da história. Não se beijaram, ficaram na vontade.

Ela fez a prova, voltou pra Minas, continuou a conversar com Igor normalmente. Soube do resultado. Teria que fazer mais uma etapa para a prova. Foi para o Rio. Estudava e encontrava com o amigo que se tornou namorado. Um namoro feliz, de um mês e pouco.

Foi reprovada. Voltou para Minas, fez matrícula em outra escola. Igor disse que um dia conheceria o estado, ela falou que voltaria lá, adorava a cidade. Ela voltou depois de um ano e meio, nem avisou ao Igor. Teve outros depois dele, ninguém sério, nenhum foi como o primeiro Igor. O outro Igor se casou, teve filho de mesmo nome, sem Júnior no final. Ela voltou pra Minas, arrumou um namorado quando já havia perdido as esperanças, se casou com ele, foi passear no Rio novamente, não contou para Igor.

Igor se separou da primeira mulher. Arrumou outra, e outra e outra até se casar de novo. Teve outro filho. Clarice se casou, quer filho depois dos 30, 34 para ser mais exata, está bem com o marido que pouco tem a ver com os Igors. Dá likes nas fotos do filhinho mais novo de Igor, o primeiro Igor nunca mais foi visto. Igor segundo também faz alguns comentários nas publicações de Clarice, até se falar numa boa já falaram, sem mágoas, sem ressentimentos.

Viveram felizes enquanto durou. Viveram felizes alguns dias, ficaram tristes em outros, estão satisfeitos com os atuais parceiros. Às vezes brigam com a esposa e o marido, sempre fazem as pazes e nunca pensam que teria sido melhor com o amor das coincidências do tempo do Orkut. O felizes para sempre não existiu, mas o felizes com frequência é real.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 7 comentários
  1. Pamella Fernandes at 21:21

    Pior que isso td é uma verdade boa parte das vezes…
    Nem sempre as coisas saem como imaginamos na nossa adolescência… Acho que temos que ter jogo de cintura para extrair o melhor de cada situação e seguir em frente…

    =]
    Bjo

  2. jessica rodrigues rodrigues at 22:52

    “O felizes para sempre não existiu, mas o felizes com frequência é real.” Essa frase parece aquela que você procurou a vida toda p explicar alguma coisa e do nada encontra rs. Adorei seu texto… Tão gostoso de ler.
    Orkut… tanto tempo que nem lembrava dele rs. Seu texto me fez pensar nas mudanças que passamos e que muitas vezes pensamos que tudo será para sempre, e não é assim mas isso não significa que não seremos felizes com frequência.

    Coração Leitor

  3. Tânia Bueno at 21:48

    Oi Talita,

    Que texto delicioso de ler. Você tem talento e deveria se aventurar pelo mundo das letras. O parágrafo final fecha com maestria o conto “…felizes enquanto durou. …felizes alguns dias, tristes em outros, estão satisfeitos com os atuais parceiros. O felizes para sempre não existiu, mas o felizes com frequência é real.”
    E você com este texto me fez recordar a delícia que era o orkut e me lembra também que perdi muitos contatos com o termino desta rede que acalentou muita gente.

    Beijos
    Tânia Bueno
    http://www.facesdaleitura.com.br

  4. Ariana Silva at 21:30

    O jogo de incertezas sempre está a nossa frente. Isso de fato ocorre, quantas vezes não pensamos ou planejamos e não dá certo?
    Fiquei curiosa em saber o que houve com o primeiro Igor, seria bacana saber se ele ficou com dor de cotovelo kkkkkk
    Menina que texto maravilhoso de ler… Não consegui tirar os olhos para entender e saber melhor sobre o enredo deste livro… E foi inevitável não lembrar de cada coisa que vi e fiz quando tinha o meu orkut… me senti idosa com isso kkkkk
    Beijos

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