Conto da desconexão amorosa
Carlos e Andreia passaram a noite praticamente em claro. Trocaram juras de amor. Os dois sentiram um frio na barriga típico de quem está começando a se conhecer e irresistivelmente se entrega. Os pais de Carlos, um adolescente de 17 anos perceberam. Naquela manhã ele mal conversou, porém o humor era bom. Ele vestia a mesma blusa de uniforme do colégio, porém de trás para frente, não fosse a observação da mãe, ele teria ido com a camisa virada. As olheiras eram profundas.
- Filha, passe-me a manteiga, por favor?
Na mesma hora ele pegou o achocolatado.
Na casa de Andreia aconteceu mais ou menos a mesma coisa. O rosto estava estranho, com sinais de quem havia passado a noite em claro. Os cabelos loiros estavam bagunçados e parecia que ela nem ouvia o que os pais falavam.
- Deia, viu que o Coldplay virá ao Brasil? – comentou a irmã Sabrina.
- É, hoje eu tenho aula de música sim, a tarde – respondeu.
- Louca, em que mundo você está? Eu disse que sua banda preferida virá ao Brasil – devolveu.
- Ah tá, o Carlos comentou comigo, eu vou – respondeu
- Quem é Carlos? – falou.
- Um amigo
- Ué, este não conheço, achei que conhecia todos.
- No show vocês irão se conhecer.
- Mas o show ainda é em abril?
- É lá mesmo, depois te explico – pôs ponto final à conversa.
Os dois foram para a aula, cada um para seu colégio. A melhor amiga de Andreia, Cris, percebeu o quanto a garota estava avoada. Dia estava com as melhores expectativas, porém devido ao amor recente decidiu manter o namoro em segredo até para Cris. As olheiras, os esquecimentos, a fala estranha tornaram-se incógnitas para os pais, as amigas do colégio e a família.
Carlos também ficou calado. Ele deixou de sair com os amigos da escola, os primos, dormia nas aulas, especialmente a de matemática, chata por natureza. À noite não, estava pronto para encontrar Andreia, paixão que dava como eterna.
Um dia, quando Andreia decidiu responder às insistentes perguntas da melhor amiga, tudo ficou ainda mais confuso.
Beleza, Carlos é seu namorado. Como ninguém nunca viu? Você nem sai de casa – falou.
- Cris, encontro com ele toda noite como te contei, mas nunca o vi, pessoalmente, pelo menos. Passo a madrugada com ele no skype.
- Então é por isso que chega na aula destruída? Por que não conversam durante o dia?
- Ele trabalha, levou até um balão no emprego por estar muito no WatsApp.
- E você vai perder o ano se continuar assim…
Explicar para a amiga foi difícil, mas nada comparado a ter que falar tudo para os pais.
- Meu Deus, suas notas estão péssimas, você nunca foi má aluna e agora por causa de um namoro virtual coloca tudo a perder? É ano de vestibular, hein?
- Mãe, ele é o amor da minha vida.
- Pode não ser, ele é seu primeiro amor, só isso, nunca nem o viu.
- Vou vê-lo em abril, no show do Coldplay.
- Ah é? Com qual dinheiro? Eu não vou bancar.
- Ele já comprou pra gente, trabalha é uma pessoa legal, responsável, vai ficar aqui em casa.
- E você não ia me pedir?
- Iria, estou pedindo.
- Pode vir, com a condição de você dormir para melhorar na escola. A tarde tem é que estudar e não fazer dela noite como tem feito.
- Prometido!
O namoro de Carlos e Andreia passou a ser o mais vigiado, mesmo on-line. Nas noites em que os pais da menina notavam que ela desobedecia, desligavam o modem, recolhiam o celular. Carlos ficava bravo, pois nunca se lembrava que Andreia era vigiada, só depois de um mês com muitas interrupções nas conversas. Começou a aproveitar todo horário de almoço e quando não tinha cliente na loja para falar com a moça.
O patrão não gostou. Deu uns dois balões para ele aprender. Andreia melhorou algumas médias, mas vez ou outra saiu da sala para atender o namorado que matava aula pra falar com a garota fora do horário de trabalho.
Chegou o dia do show, de se conhecerem. O pai de Andreia foi até a rodoviária e encheu o moço de perguntas. Na mesa do café, a mesma coisa, não davam sossego. E no show? Só olharam um para o outro em alguns músicas românticas, pois Andreia era mais apaixonada pela banda do que pelo namorado. E para falar a verdade, pessoalmente ele nem era tão bonito, beijava mal e morava a 400 quilômetros do Rio de Janeiro.
A mãe e o pai de Andreia adoraram o rapaz. Andreia achou que ele era mais do que ela pensava. Decepcionou-se, ficou com dó de dar o fora depois de 400 quilômetros.
- Deia, agora é você quem vai até mim, conhecer meus pais. E olha guardei pro final.
Pegou a mão da moça e tascou uma aliança prateada.
- Linda – mentiu, pois achava brega.
Ele foi embora com cara de bobo apaixonado. Ela chorou. Ele achou que era de tristeza por ele ir embora, mas era por saber como é que faria para acabar com aquilo tudo e quando.
Andreia deixou passar um tempo. Foi até a cidade dele. Gostou do pai, da mãe, cachorro, irmãos. O sentimento por ele não mudava, decepção. Além do mais, era longe demais.
- Carlos, gosto muito de você, mas acho que estamos longe demais – falou uma meia verdade.
- Estamos mesmo, só que podemos dar um jeito nisso.
- Não podemos.
- Podemos sim – e deu-lhe um beijo antes que ela entrasse no ônibus.
No caminho, ela chorou. Durante uma semana fingia estar ocupada quando ele chamava ou ligava. Decidiu terminar como começou – em uma conversa pela internet. Durou a noite toda, só que as palavras foram muito mais duras que no início. A vontade dele era pegar o primeiro ônibus e ir atrás, mas o dinheiro tinha ficado todo para custear os ingressos do show e do primeiro encontro para encontrar a garota. Terminou sem dinheiro e sem amor, só com a internet para distrair. Assim, viveu a primeira desilusão desconexão amorosa.
Conto atual, bem interessante. Vemos claramente que era muito melhor se apaixonar antigamente. Pelo menos a gente conheceria o possível amor no primeiro dia.