Tempo feio
Quando as nuvens tingiam o céu azul de branco e depois de cinza, eu logo pensava que aquele seria um dia feio. Era sinal de um pé d’água, chuva, barro e eu em casa, sem poder brincar. Um dia azul era grande, em um dia chuvoso eu tinha que me contentar com as sugestões dos desenhos animados do que fazer quando São Pedro resolvia agir. Pelo visto, outras crianças se viam perdidas com a chuva também e o tema de brincadeiras em dias chuvosos eram comuns em programas infantis. Eu até tentava, mas para uma menina moradora de sítio bom mesmo era dia com sol para poder brincar debaixo da gameleira, buscar fruta de cerrado e caminhar entre árvores.
Hoje é por um dia de chuva que anseio. São raros, necessários. Obrigam-me a sair de sombrinha, pegar ônibus, adiar alguns programas, porém tornam o sono mais gostoso, o tempo mais ameno, a cama irresistível. Se for em um fim de semana então, quando fico mais quieta, agradeço.
Ano passado, quando quase acreditei que chuva havia transformado-se em mito, ela veio me alegrar e mostrar que eu estava errada por uns cinco minutinhos ou nem isso. A felicidade foi muita e geral. Meus vizinhos aplaudiram-na de suas janelas, comemoravam aos gritos. Por um segundo até pensei que o Atlético pudesse estar em campo, mas era bem melhor do que uma vitória do Galo. Na cidade, soube que a chuva também foi aplaudida em uma missa, fato que tornou-se até notícia de jornal.
E as razões para comemorar eram, e continuam a ser, muito mais significativas do que minimizar o calor ou deixar a cama mais gostosa. O temor da falta d’água nos amedrontava na época e continua. É quase surreal ver cidades cancelarem festas para economizar o recurso e mais ainda notar que ainda exista quem lave a calçada com mangueira sem pensar em si mesmo e nos outros, não no futuro mais, pois é uma realidade do nosso presente.
O tempo feio hoje tem mais a ver com as atitudes das pessoas do que com o clima. Em nosso tempo, há quem repense o que faz apenas quando é diretamente atingido. Em Carmo do Cajuru, por exemplo, depois que o decreto de emergência acabou o consumo de água subiu 20%. Isso é feio, e não o céu cinza, ele carregado tem sido uma das manifestações mais bonitas da natureza. Sinal de que é tempo de ficar em casa, quando dá. Curtir o barulho que anuncia renascimento, o vento e a esperança de não enfrentarmos tempos feios, sem água, sem flores, sem vida.
Maravilhoso texto – eu simplesmente amo dormir ouvindo o barulhinho da chuva.
Beijos e muito sucesso!
É simples: valorizamos apenas o que não temos. Se tem em abundância não cultivamos, mas quando começa a faltar…
http://www.adoiis.blogspot.com.br
Texto muito bem escrito e articulado! E de fato, quando pequenos ficamos entediados, emburrecidos com chuvas e tempestades. Hoje em dia, mais velhos, aproveitamos cada segundo. Do tempo fresquinho, o ar renovado, a grama hidratada… Pena que o ser humano destrói e desperdiça praticamente todos (se não todos, de fato) recursos naturais em abundância… Pena, lamentável. Até quando? Principalmente o Brasil, um país com um hábito cultural de tomar banho várias vezes ao dia. Eu brigo com todo mundo por causa da água. Não suporto desperdício dentro de casa (onde tenho mais controle). Brigo mesmo. Mas pelo menos faço a minha parte. Parabéns pela postagem!
Beijos querida