Choro de surdina

Choro de surdina

Choro bastante. Às vezes de emoção, raiva, por me ver impotente – quase ninguém vê. Em público eu consigo segurar bem a barra. Das poucas pessoas que me veem chorar está meu pai, que sempre diz depois de falar que pouco ou nada adianta eu chorar: “somos iguais, eu também sou chorão”. Só que conto nos dedos as vezes que vi lágrimas no rosto do meu pai. Somos chorões de surdina, o choro vem na calada, é tímido para aparecer em público.

É mesmo perturbador ver alguém aos prantos, mesmo que o choro também faça parte da rotina. Chorar é bom pra quem está sufocado, em desespero, não pra quem vê. Como já falei em uma outra crônica, quando alguém vê o outro chorar fica sem saber o que dizer e muita gente quando tenta fala bobagem – por isso chorar na surdina é melhor. Pro chorão, lágrima é libertação, pra quem vê – desespero, bobagem. Chorar sozinho evita escutar besteira, permite que o choro seja completo, sem interrupção, pois pouca gente sabe agir diante de quem chora, e eu, pelo menos, não preciso que me digam nada, só que me deixem quieta. Talvez eu desabe perto do meu pai e da minha irmã porque eles são dos poucos que sabem o que preciso ouvir.

Mas, na maioria das vezes, eles não escutam o meu choro, ele é mais completo na solidão. Só consegue deixar meu peito mais livre quando ninguém diz nada a respeito, eu preciso tirar minhas próprias conclusões ou só chorar mesmo, sem querer muito.

Chorar não tem um objetivo, mas um fim em si. Choro porque tenho que chorar e pronto. Sem pensar: vou ficar melhor depois do choro. É tão natural quanto respirar. Sim, eu seguro minhas lágrimas até chegar em casa, onde ninguém vai atrapalhar. Eu preciso chorar, ninguém pode me impedir, dizer que não resolve, que preciso é resolver o problema, procurar uma terapia ou tomar um ansiolítico.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 3 comentários
  1. Carol Koplin at 22:58

    Belo texto! E concordo plenamente! Eu sou muito emotiva e muitas vezes, nem tenho razão para chorar. Mas sabe que dá uma leveza depois?! Tiro a conclusão que isso é consequência da pressão que vivemos nos dias de hoje. Crises, violência, concorrência no mercado de trabalho ou disputa por vagas numa faculdade boa, a pressão de ser cobrada ou por ter que atender as expectativas em tantos aspectos, até mesmo, as nossas próprias! Sim, porque eu sou altamente exigente comigo mesma! Nosso corpo não aguenta tanto peso, tão pouco nossa mente, nosso coração. Eles descarregam toda essa pressão em lágrimas e no final, me sinto tão leve! Pronta para uma nova etapas e pressões e cobranças, afinal, vivemos numa roda gigante em constante funcionamento, né?!

    Beijinhos!

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