Cazuza: só as mães são felizes

Cazuza: só as mães são felizes

A biografia de Cazuza contada pela mãe Lucinha Araújo, é um livro tão intenso quanto a vida do cantor. O mais interessante é que Lucinha desnuda toda vida do filho, com erros, acertos e tudo mais que Cazuza viveu, é um relato sincero. Imagino que outras mães não o fariam de maneira tão honesta, já que ver o filho errar é quase impossível para algumas. Até veem, mas admitir e expor é outra história. Como Cazuza era uma pessoa famosa, caso ela tivesse poupado-o, com certeza a versão dela seria desmentida também.

Outro ponto interessante é que mesmo com toda rebeldia de Cazuza e o sofrimento de ver o artista doente e depois morto em consequência da Aids, Lucinha declara, já no título, que “só as mães são felizes”. Talvez a conclusão seja da autora, Regina Echeverria, jornalista que coletou as confidências de Lucinha. Mas há uma ironia estranha e verdadeira nisso, contida também na letra da música do artista com mesmo nome. Ainda não sou mãe, porém elas costumam serem mesmo alegres quando os têm por perto, apesar dos defeitos e trabalhos que damos.

A narrativa não segue uma ordem cronológica. O início é um relato dos últimos momentos, dias de Cazuza já muito debilitado, com apenas 38 Kg. É um relato comovente, sofrido, impossível ler e não chorar. Mas há páginas alegres também, que contam a vida boêmia do poeta do rock. Noutras dá vontade de pegar Cazuza e dar um safanão, um sacolejo para deixar de ser tão mimado, o que Lucinha e o pai, João Araújo, não fizeram. Sem julgamentos para a educação que os pais deram, mas os dois perderam o controle do filho.

Ao mesmo tempo, ele queria provar que não dependia do pai para ter sucesso, o qual era empresário e produtor musical. Uma situação um pouco complexa, o músico era um burguês revoltado com a burguesia. Para mim, este bastidor é interessante e controverso, mas não tira a beleza dos versos e músicas de Cazuza. É um legado que nenhum ato dele torna menos nobre.

Outro ponto alto do livro são as fotos. Todas que foram selecionadas dariam pôsteres muito bonitos, contam histórias e transmitem mensagens tão poéticas quanto as músicas deixadas pelo poeta. É legal ver detalhes da relação amorosa com algumas moças e Ney Matogrosso, talvez o maior amor da vida de Cazuza. Com uma das meninas, ele quase teve um filho, com Ney o romance foi tórrido. Lucinha diz que uma vez chegou a desconfiar do filho com Frejat, o que nunca se confirmou, era apenas uma amizade forte mesmo.

 

Autora

A biógrafa, Regina, que também é jornalista, foi muito bem na escrita e se coloca no lugar certo de quem coleta depoimentos: seu nome vem pequeno e o de Lucinha em destaque na capa, há quem diga até que o livro é da mãe de Cazuza. Como é ensinado, o importante é o conteúdo, jornalista não precisa querer aparecer mais. Neste caso é quase impossível, Cazuza foi um dos maiores astros da música e é difícil que alguém seja mais notada que a mãe Lucinha no livro.

Continuidade

“Só as mães são felizes” é o primeiro de uma trilogia sobre o poeta. O segundo é “Preciso dizer que te amo” o qual reúne letras e poemas, 78 trabalhos inéditos, comentados por quem entende do assunto, confesso que ainda não li. O terceiro é “Viva Cazuza – O tempo não para”, o qual traz a história da fundação Viva Cazuza, fundada para ajudar pessoas com Aids.

Para mim, há uma clara elaboração do luto nos três volumes. O primeiro vem com as lembranças, as quais são relembradas e reelaboradas sem a pessoa. “Preciso dizer que te amo” traz o legado, o que nunca irá se apagar da história e no último uma das maneiras que a mãe encontrou para continuar e deixar o filho vivo. Ela já relatou em entrevistas que sem a Ong seria bem mais difícil ter passado pela perda do único filho. “Viva Cazuza” é um registro do que os que se foram movem, mesmo distantes.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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