Caixas de lembranças: as memórias que escolhi
Eu gosto de ter fragmentos do passado comigo, que vão além do pensamento – objetos, cartas e toda sorte de quinquilharias para alguns, impossíveis de serem encontradas em lojas de suvenir e de serem entendidas sem uma explicação minha. São mais do que memórias, pois a cabeça às vezes titubeia, desconfio dela. Por isso, desde muito cedo coleciono caixas de lembranças. É um jeito de ter um pouco do passado nas mãos, uma maneira de tocar em dias que se foram, puxar o fio da memória e ver diante dos olhos tudo que passou e que eu quis tanto guardar que peguei parte do dia para colocar na caixa.
Não jogo nada fora. Desfaço-me de roupas, livros, calçados – tudo, na maior facilidade. Já o que está nas minhas de caixas de lembranças… Uma vez por lá, sempre, até o dia que eu virar memória também, pelo menos. Se uma vez eu quis guardar a embalagem de um Sonho de Valsa, o rótulo do Pon Chic, é porque quis garantir que os momentos que envolveram o bombom e o refrigerante nunca fossem esquecidos. Eu queria um pouco daqueles dias na rodoviária da Badia comigo, e cá estão. Quando vejo o rótulo, lembro da farra que eram aqueles tempos a bordo do Sarandi para aprender inglês aos sábados. Sinto o gosto do chocolate, a doçura do Pon Chic e principalmente dos acontecimentos.
Por isso, de tempos em tempos mexo em minhas caixas com a desculpa de que vou organizá-las, maior mentira não há. Caixas de lembranças não surgiram com o objetivo de serem organizadas. É fato que elas evitam que as coisas fiquem espalhadas, mas tudo se mistura lá dentro. Dependendo do que eu for procurar, tenho que tirar tudo para achar, característica do que vive no caos e da própria memória. Pra ser ainda mais sincera, não abro-as a procura de algo específico, é mesmo como se eu entrasse em um túnel do tempo que mistura os anos da minha vida. Minhas caixas são estradas longas, com vários caminhos. Em um momento estou em 1987(sim, tenho coisas do ano que nasci), me vejo em 2000, volto pra 94, em um zig zag de acordo com o que aparece.
Poucos são meus conhecimentos sobre a organização das lembranças na mente, porém, sei que elas também chegam fragmentadas quando encontro o que fica fora ou dentro das caixas. Vêm por cheiros, rostos, encontros, do nada ou quando procuro por elas. Aos poucos tomam forma, o quebra cabeça se junta, tudo vem mais ou menos como aconteceu. Se o pensamento não é tão fiel, é como eu guardo no coração que o que me marcou se materializa.
Por isso, mexo nas minhas caixas por gosto, para lembrar, visitar o passado, juntar minhas peças. E o melhor, na caixa há somente lembranças boas e umas inusitadas. Acredita que eu guardei uma mexa de cabelo de um amigo de escola? Era bem enroladinho, ele era engraçado. Eu precisava ter um pouco dele comigo. Deixar por conta da memória? Não me arrisco! Tanto que só lembro do colega cacheado quando “organizo” as caixas. Nós nunca mais nos vimos desde o ensino médio.
As caixas também têm a mania de me mostrar quem eu fui e ainda sou de certa forma – uma menina do interior ingênua, que se “apaixonava” só por diversão na adolescência e hoje morre de rir com os alvos das paixonites. Todos, sem excessão, nunca ficaram sabendo, acho que era só para ter assunto pra carta trocadas com uma amiga, as quais estão já muito amareladas.
Eu deixo minhas caixas na prateleira, sempre cheias ou em um processo contínuo de preenchimento. São minha bússola para o que realmente quero lembrar, para o que eu fiz questão de guardar. Não são memórias que meu cérebro cismou, resultado de traumas, por exemplo, que às vezes até me aborrecem. É o que eu quero ter em mim, por escolha própria, consciente. As memórias das caixas de lembranças eu quis tê-las, representam momentos felizes, engraçados. Guardá-las é ir um pouco para um passado do qual realmente sinto saudades.