Bênçãos de São Francisco
Cachorro, como dizem por aí, é uma grande oportunidade para a criança aprender a cuidar de um ser que dependa dela, ter responsabilidades e até a ensiná-la a lidar com as perdas, já que eles não vivem tanto e se vão antes que os primeiros entes se despeçam da família. Mas com o Nick foi um pouco diferente. Ele ensinou Marcela e Daniel a cuidarem de outro ser dependente deles, porém não lhes deu a oportunidade de verem a morte canina antes da humana.
O pinscher chegou quando o avô Antônio se foi, um mês depois, deu um alento para a garotinha de 5 anos e para o irmão, também pequeno. Viveu 19, deu carinho, amor, grandes de lições e veio depois de Marcela pedir muito por um cãozinho. Chegou ele, assustado, trêmulo em uma caixa de papelão do Mercado Central direto para a área de serviço, fugido, e resgatado após chorar muito para a cama da menina que foi dele também.
E os 19 anos deixaram a família Mesquita com a síndrome do canil vazio. Como ter outro cão depois de quase duas décadas? Correr o risco de ter que lidar com outra morte por livre e espontânea vontade novamente? Não estava nos planos dos irmãos Marcela e Daniel e do pai Marcelo, só nos de Mariângela. Tudo que um cão proporciona, para ela, era bem maior do que a dor que ficava quando eles partiam. O tamanho do vazio era proporcional ao que haviam significado. Por isso, ela insistia, insistia e nada. O marido e os filhos diziam não estar preparados para receber um cachorro em casa novamente.
Mas o amor pelos cães não passava. Um dia, Marcela, que é repórter, foi escalada para fazer uma matéria na Sociedade de Proteção aos Animais de Divinópolis (Spad) e lá conheceu um cãozinho que de tão judiado chamou muita atenção. Jogaram água fervente no bichinho e o pelo ficou todo falhado. Doía de olhar. A história que ela contou foi de outro animal, mas o vira-lata vítima daquela covardia não saía da cabeça dela, mesmo assim não queria adotar, sentia demais o luto pelo Nick.
E a Mariângela não parava de falar até que se convenceu que conversar estava muito pouco para conseguir tirar um sim da família. Daí começou a rezar para São Francisco de Assis, a fazer promessa, uma maior que a outra para alcançar a graça. Um belo dia, o telefone tocou. Era o pessoal da Spad contando que havia um cão que precisava de um lar, convidando-os para uma visita.
Quando bateram os olhos no cachorro, a surpresa. Marcela já o conhecia. Era o cãozinho escaldado, que chamou atenção pela feiúra. Tremia de medo dos humanos, arisco e traumatizado. O estado do animal fazia com que Marcelo, Daniel e Marcela acreditassem que não podiam ficar com ele. O apartamento era pequeno e as lembranças do Nick ainda fortes, eram os outros argumentos. Só que Mariângela não desistia.
“Vocês estão com preconceito, é como uma criança, vão escolher demais?”, disse ao ouvir a família.
E assim ela amoleceu o coração dos três. No dia da independência de 2013 adotaram o cão escaldado. Levaram-no para o apartamento, de tamanho suficiente para quem vivia na rua. O tremor passou com alguns dias, a carne começou a cobrir os ossos com o tempo, e ele deixou de ter medo de gente.
O nome escolhido? Francisco, pois Mariângela tinha certeza de que a graça de tê-lo em casa era obra do santo protetor dos animais. Além disso, um certo argentino muito simpático tinha acabado de escolher o nome para que fosse conhecido como o santo, mais um motivo para a alcunha. Agora eles pedem todos os dias para que o xará celestial do cão o abençoe com tantos anos de vida quanto o Nick.
Agradecimento:
Para a Marcela Mesquita que sempre me conta histórias caninas lindas e me cedeu as fotos.