A menina que guardava o mar no criado mudo
Maria nasceu na água e já era sereia sem cauda, mas com o mar aos pés, no quintal de casa. Morava em uma vila de areia branca e quente. Então, a menina achava que o mundo era o vilarejo. Acordava todos os dias e já estava de frente para o mar, as ondas agitadas embalavam o dia da garotinha e toda vez que a água chegava aos pés dela, sorria, carinhosamente, pois o mar fazia cócegas nos dedinhos. Maria pensava que o mundo todo era banhado pelo mar e se jogava nas águas dele toda vez que o sol se punha.
Tudo vinha do mar. A paz, o banho divertido(de chuveiro era um tédio, a mãe tinha trabalho), a maioria dos alimentos que iam para a mesa – peixe, camarão e outros frutos. O sustento também saía da água salgada. Pedro, pai de Maria, saía antes do sol, jogava a rede, ia para o Centro do lugarejo e tal qual saía com as redes cheias, voltava com sacos de arroz, feijão e tudo que precisavam. As bênçãos também vinham de lá. Maria via todos da vila levarem flores, barquinhos, acenderem velas, pedirem e agradecerem. O mar também era a canção de ninar de Maria, o barulho fazia as pálpebras cerrarem-se de leve e o sono ser solto, tranquilo. O mar era a televisão, infinito, mais que as possibilidades do controle remoto.
Só que um dia Maria completou 18 anos, terminou o segundo grau e o pai chegou para ela com um olhar sério que dizia que a conversa seria dura. Convidou-a para sentar ainda com os cabelos salgados e os pés cheios de areia. Falou sobre futuro e progresso, que eles não existiam na vila de areia branquinha. O pai conseguiu emprego fora, perto das universidades. O aluguel daria para pagar um apartamento na capital e com o dinheiro que iriam ganhar poderiam conhecer outros mares.
– Mas teremos que deixar tudo, pai? Nossa casa, amigos, a praia?
– Vamos, Maria, mas vai ser melhor – respondeu com um sorriso esperançoso.
Depois de um mês da conversa séria arrumaram a mudança e foram no encalço de um futuro melhor. Maria não entendeu o que o pai queria dizer com “vai ser melhor”. Na cidadezona tudo era grande demais – o tempo no ônibus, o preço da comida, a espera pelo pai em casa. Ela não tinha mais o mar para fazê-la dormir, nem para levar as energias ruins ou trazer o peixe para a mesa. A vida passou a ser empacotada no supermercado e banho, ah, que chatice, só no chuveiro.
E o pior de tudo: as ondas não estavam a passos de distância para embalar o sono da menina. Desde que chegou na cidade todas as noites eram em claro. A mãe já não sabia o que fazer. As olheiras que desconheciam o rosto de Maria lhe deram um olhar pesado. Maria era sereia, nasceu no mar, dependia dele não para sobreviver, mas para viver feliz.
Estava a léguas dele e do sono e da felicidade. O dinheiro que o pai dizia que iria sobrar faltava, dava pra ir nem na esquina, quem dirá em outros mares. A menina arrumou um emprego. Ajudava na casa e guardava o restante pra ir à Vila de areia branca e quente. E lá foi ver o ambiente natural pelo menos por um dia, era o que dava pra fazer com as economias.
Foi e da praia pouco saiu. Deu mergulhos na essência, comeu peixe, pediu à Iemanjá milagres e de um choro salgado feito o mar um alento veio. Uma sereia de cauda sentou-se ao lado de Maria. Antes de falar nada colocou nas mãos da moça uma concha.
– Nossa, senti tantas saudades daqui que estou delirando.
– Não está, Maria. Nasceu na água e é uma de nós, mas sem cauda e tem sua missão fora do mar, só que precisa ser menos triste longe das ondas.
– Eu não consigo nem dormir sem o mar.
– Pois é, com esta concha toda noite você virá ao mar, é só colocar ao lado da cama e encostar o ouvido quando for repousar.
Maria foi embora com a concha na mão. Chegou na cidade grande sem mar e enfrentou o dia, trabalho, o banho de chuveiro. E a noite encostou o ouvido na concha que estava no criado mudo. O som do mar estava ali dentro e quando fechou os olhos acordou na praia. Quando despertava estava na cama, na cidade grande. Sempre que saía levava o mar na bolsa, colocava no criado mudo e se transportava para o mar toda noite.
Onde Maria ia o mar ia.
Mágica? Não. No sonho cabe tudo. E ela se transportou até o dia que pôde ver o mar beijar os pés todo dia de novo. A missão que a sereia tanto falava era mostrar aos pais que o mar dava tudo que todos eles precisavam. Por isso, toda vez que Maria saía o mar repousava em algum criado mudo. Ela não conheceu outros mares, mas o fazia desaguar em si.
Lindo conto. Gostei muito.
Nossa, que lindo! Amei! Eu me senti passeando na beira do mar! amoooo…
Beijinhos!
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Oi Talita,
Estou aqui suspirando com seu texto. Sou Maria também, não somente Maria, mas Maria Tânia. Não nasci com o mar aos meus pés, mas amo sua imensidão e mistério e dele podemos tirar do alimento físico ao alimento da alma, ele é música para os ouvidos que acalma a alma e tranquiliza o caminhar. Nele se pode flutuar/ boiar magicamente como se fosse um voar. Boiar de costas dá para ver o horizonte, contemplar o céu, ver o movimento das pessoas na areia. Ah! O MAR.
Beijos
Tânia Bueno
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