Confusão do tempo que só os pais podiam registrar as crianças
No tempo em que só o pai podia registrar as crianças, as mães ficavam na pior e algumas vezes os filhos também. Tinha pai que criava sobrenome, meus tios e minha mãe são Nunes sem ninguém da família se chamar assim. Outros trocavam o nome dos meninos no meio do caminho, já que nada podia ser feito depois de a certidão ser lavrada. No caso de Crispim, ele mudou o nome da filha de número cinco e olha que ele fazia tudo que a esposa queria, não era com um nome que ele iria implicar. Era o tipo de sujeito que fazia o máximo para evitar problemas, mas naquele dia foi inevitável.
Rosângela havia dada a luz a uma linda menina fazia três meses já e ele, na roça, sempre ficava enrolado com os afazeres. Pensava: “É melhor a menina ter o que comer do que um nome”. Assim o tempo passou e os outros quatro filhos chamavam a irmã dos mais variados jeitos. A mulher já havia decidido, a quinta filha se chamaria Cecília, em homenagem a padroeira da música e estaria predestinada a ser musicista. Todo dia a esposa insistia com o marido a ir logo até a cidade registrar a filha: “Home, monta logo no cavalo, é a mesma coisa da pobrezinha não existir sem o papel”.
Depois de ouvir o pedido pela centésima quarta vez, ele foi. Ah, mas 8 quilômetros ficavam bem maiores no lombo de um cavalo naquela época, a viagem durou tempo suficiente para ele se confundir todinho. Quando chegou no cartório e o escrivão perguntou como a menina iria se chamar ele disse: “Eu acho que é Amália. Ou seria Venturina? Cláudia? Ai gente, que diacho de nome a Rosângela falou mesmo?”.
“O senhor não sabe o nome que escolheram para ela?”
“Não, cada hora falam um nome e já tem 3 meses que a lindinha nasceu”.
“Sua família vive aqui na cidade?”
“Nada, moramos na roça”.
“Então, tenho uma ideia: escolha um nome que vai agradar a todos, a mãe, irmãos e avós“.
“Não é que você teve uma ideia boa? Vou colocar o nome de pessoas queridas por todo mundo lá em casa”.
“E qual vai ser?”
“Maria, o nome da avó materna, e Eunice, o da avó paterna – minha mãe: Maria Eunice”.
Assim a menininha de três meses foi registrada e batizada. Teve outro porém, ele também não lembrava direito o dia do nascimento e calculou bem mais ou menos, jogou três meses antes e a menina passou a ter dois aniversários. Quando Crispim chegou em casa, guardou o documento na gaveta menos revirada da casa, mas não pôde esconder por muito tempo. A mulher queria guardar junto com todas as outras certidões e se assustou com o nome da menina, mas gostou.
“Crispim, Maria Eunice? Por que não me contou que queria homenagear as avós? Ficou até bonito: Maria Eunice”
“Queria que fosse uma surpresa pra todo mundo, até para você”, disfarçou sem querer revelar que havia esquecido.
E ficou por isso, até hoje a menina conta a história inventada pelo pai, a mãe a chama de Maria, Eunice e Cecília, igual aos outros irmãos fazem. Ela conformou-se em ser chamada ora de Cecília, ora de Maria Eunice. Nunca foi musicista como a mãe queria, mas uma mulher tão boa e querida quanto as avós. Os nomes têm mesmo poder.