A fofoca que mais fez o povo de Ibitira chorar
Em Ibitira todos são únicos e todo mundo é de alguém. A Maria é do Jesus, ou do Levy, a Talita é do Julinho ou da Neuza. Até aqueles que são chamados pelo sobrenome não tem como confundir. O Camargo (no singular) é o Zé Camargos (no plural), mesmo que todos os irmãos, sobrinhos, pai e outros familiares tenham o mesmo sobrenome, com s. Acredito que foi daí que espalharam uma conversa fiada daquelas. Disseram que o Ferreira, que só podia ser o Dê, havia morrido. Tristeza geral. No bar do posto, desses de caminhoneiro que todo mundo da cidade vai, uma turma já se preocupava em saber se o adeus seria na terra natal do Ferreira, em Ibitira, ou em Belo Horizonte, onde morou a vida inteira. Ninguém tinha coragem de ligar para a viúva, um dos companheiros de viola e “gole” engoliu o choro junto com a dose de pinga que descia indigesta, angustiado com a falta de informações. O pior é que estava ficando tarde e ainda era preciso dar um jeito de anunciar no auto falante da igreja, como acontece todas as vezes que morre alguém de lá, o local do sepultamento.
Daí, resolveram ligar para os parentes que ali moravam, mas não eram nem mãe, mulher ou filhos. Nenhum telefonema acrescentou informações sobre o velório. Minha mãe, coitada, desandou a chorar e como falava, já estava com pena dos que ficaram, pois quem ia descansava eternamente em outro plano, quem ficava não, sofria. Ela se lembrava do quanto ele era boa praça, da viola como companheira, do quanto gostava de pescaria e só orava, não tinha coragem de ligar.
A confusão continuou. A cada pergunta, um choro de quem havia acabado de receber a notícia sem saber causa de morte e muito menos onde o Ferreira seria enterrado. Minha mãe ficou esperando o telefone tocar e nada até que decidiu telefonar para minha tia, que também é muito ligada ao Ferreira e principalmente à Geralda, mulher dele. Foi um novo choro, minha tia Zirley também havia acabado de saber da notícia e como melhor amiga da viúva pegou o telefone aos prantos e telefonou. Só que quem atendeu foi o Ferreira. Minha tia pensou que fosse o filho e deu logo os sentimentos.
— Sentimentos, por quê?
— Seu pai, Bruno.
— Zirley, sou eu, o Ferreira, o Dê.
— Uai, você não morreu?
— Graças a Deus não.
Minha mãe recebeu a notícia e pediu meu pai para espalhar a boa nova. Até hoje ninguém assumiu quem foi o autor do boato. A desconfiança é que alguém tenha comentado no posto que um Ferreira, José, João, Emílio ou até Ambrósio com esse sobrenome tenha de fato partido, mas como em Ibitira só tem um Ferreira nem pediram mais detalhes. Provavelmente porque a notícia deixou a pessoa sem palavras nos primeiros minutos, pelo menos até que aparecesse o primeiro para repassar e começar toda confusão.