Escassez de netos e a cabeça da vovó carente
Não se fazem mais netos como antigamente, ou pelo menos tantos. Aurora aguardou um intervalo de dezoito anos. Com mais de 70 anos, era a que menos tinha netinhos, apenas três da filha mais velha. Por isso, depois que os rebentos saíram de casa e os netos cresceram, a casa ficou menos movimentada. Viúva, a principal companhia era a televisão e o rádio nos dias de semana. Das novelas ela se cansou e passou a acompanhar os noticiários policiais, começou a achar o mundo perigoso demais. Tanto que achava justificável os filhos não a darem netos, “pra quê? Pra sofrer?”, sempre dizia. Porém, quando a caçula anunciou a gravidez ela esqueceu de tudo isso e se alegrou, começou a achar a vida até menos arriscada.
Por ter sido uma gravidez tardia, a filha de Aurora precisou tomar alguns cuidados. Além disso, descobriu um mioma junto com a gravidez e teria que operar logo após o parto. A mãe/vó coruja acompanhou tudo. Sentia pena da filha e rezava para o bebê nascer com saúde. Nasceu um meninão, saudável… A mãe passou bem pela cirurgia e a felicidade era completa, apesar das dores serem maiores do que as de partos convencionais.
E no dia do nascimento, a avó viu em um dos programas uma notícia sobre rapto em maternidades. O fato já serviu para deixar Aurora preocupada. Alertou a mãe de primeira viagem sobre o risco. Para proteger o neto e elas, resolveu travar a porta do quarto com uma poltrona. Afinal, a menina tinha sofrido demais para dar a luz e ela esperado décadas para aumentar o número de netinhos, tinha que fazer tudo para protegê-los.
A filha ficou tão impressionada com o relato sobre sequestro que sonhou que o recém-nascido estava sendo levado. O problema é que ela sonhava em voz alta, voz alta não, em voz gritada e até se sentou na cama. Aurora acordou, o neto começou a chorar e as enfermeiras correram em direção ao quarto. E o pior, a filha que havia feito cirurgia há poucos dias começou a sentir muita dor porque levantou abruptamente por causa do sonambulismo.
Pior ainda foi a tentativa das enfermeiras de entender o que estava acontecendo. Com a porta travada, esmurraram-na até que Aurora abrisse. O mais engraçado é que a vovó teve que explicar porque bloqueou a entrada. Elas não entenderam muito bem, mas foram a socorrer a paciente e fazer o menino parar de chorar. E até hoje, quase três anos depois, nada aconteceu ao neto. Aurora sempre faz alertas e jura que o neto nunca sofreu nada porque orientou bem a filha sobre todos os perigos que vê na televisão.