Cartas de amor sem remetente
Era 1972 e Amélia havia mudado para Belo Horizonte com a família que nunca teve endereço fixo por mais de seis meses. Por causa disso, ela não se permitia apaixonar, no máximo achar os rapazes bonitos, flertar com palavras. Evitava de todas as formas tocar as mãos dos moços. Até que um dia José fitou a moça pela primeira vez, olhava de longe e pensava na maneira certa de se apresentar sem ser rejeitado.
Amélia era tão precavida com as paixões que tratava de paquerar os feios, um pouco chatos. Assim era mais fácil dar o fora, encontrar defeitos que facilitassem o afastamento. José era bonito, inteligente, os defeitos levavam um tempo para ser descobertos, quando Amélia o viu na esquina logo tratou de desviar do caminho e olhava para baixo. Daí, o rapaz apaixonado pensou: “Vou surpreendê-la, de um jeito pelo menos uma vez ela olhe diretamente para mim”.
Assim José seguiu os passos de Amélia por dias até chegar à fila do cinema. Ficou atrás da menina para comprar as entradas e tratou logo de “esbarrar” nas mãos dela. Na sala, ele sentou ao lado e tocava delicadamente o braço de Amélia. Ela ficou tão desassossegada com o rapaz que quase saiu antes de o filme acabar. Porém, ela achava desaforo e só fechou a cara mesmo.
Quando o casal da tela deu o último beijo de “felizes para sempre” ela saiu apressada. José entrou no mesmo ônibus. Ela não teve escolha, até para fazer cara feia tinha que olhar para os olhos de José. Aí não teve jeito, apaixonou-se. Tentou fugir, mas ele sempre estava na fila do pão, do cinema e em todos os lugares que ela ia, quanto menos meios de fugir, mais perto ele ficava. E isso só aumentava os números de vezes que Amélia tinha que encarar José.
Desistiu, tascou-lhe um beijo, dois, três, quatro, infinitos, até que o pai foi transferido para Patos de Minas. Daí, que ele propôs continuarem a namorar por carta. Assim foi por um bom tempo. Amélia esperava o carteiro passar todos os dias debruçada na janela. De vez em quando dobrava o pai e ia para BH ver José.
Com os meses, o carteiro entregava cada vez menos e mais breves cartas. No entanto, consolava Amélia todas as vezes. Diferente de todos os outros rapazes de Patos, ele era bem recebido por Amélia. Vez ou outra as mãos se tocavam sem querer para entregar as correspondências de amor. Um dia, quando ele percebeu que José não mais lhe endereçava cartas, ele decidiu que ocuparia o coração despedaçado de Amélia.
Tomou a decisão em um dia bonito, ensolarado, descrito pelo carteiro na carta de amor que entregaria à moça. Quando ele passou pela janela, Amélia ficou tão feliz em ver que tinha carta para ela que quase deu-lhe um beijo, como ele queria. Mas ficou só no quase e ela ficou por entender quem havia lhe escrito, já que o remetente estava em branco. Foi preciso ler até a última linha para saber que quem entregava as cartas de José, a conhecia bem melhor do que o namorado que havia jurado não ficar um dia sequer sem escrever-lhe.
Primeiro, ela se escondeu atrás de caretas. Mas depois de meia dúzias de cartas disse-lhe sim com outra correspondência. E assim, o carteiro passou a namorar por carta e pessoalmente Amélia. Ele tinha uma grande vantagem sobre José, quando o moço tentou pedir desculpa pelo tempo sem escrever, ele rasgou a carta. E Amélia esqueceu do moço da Capital, tinha o carteiro sempre presente, quando não levava uma carta de amor, deixava-lhe um beijo antes de entregar outras cartas para encantar donzelas na vila. Quando o pai foi transferido de novo, o carteiro deu um jeito de entregar cartas na nova cidade da amada também. Assim, nunca deixou que os dados fossem escritos no envelope, tinha as respostas na hora, no resvalar das mãos e beijos maiores do que qualquer palavra.