Fantasia para entender a realidade
A realidade por vezes se apresenta difícil, não só para vivenciar, mas para entender. É por isso que os artistas existem: para traduzir com “o que não existe” a pura realidade. Só com o exagero fantástico da arte é que o real se torna mais claro, e o mais importante, bonito, mesmo quando é triste.
O grito, de Edward Munch, coloca o desespero em pinceladas quase poéticas. Guernica, de Picasso, revela a tristeza de uma guerra, da forma mais bonita possível. E o que dizer do realismo fantástico de Gabriel Garcia Marques? O que não tem nada a ver escancara, metaforicamente, tudo que vivemos. Um homem que sai em combate, tem dezenas de filhos e anos mais tarde os encontra, todos com variações do nomes dele: Aureliano Triste, por exemplo. Uma insônia apareceu como epidemia em Cem Anos de Solidão. Quer algo mais real?
São as histórias infantis, recheadas de fantasia, que nos põem em contato com a dureza da vida adulta quando pequenos e nos deixam encantados sem saber o que nos aguarda. Ninguém ousaria dizer que há gente muito má, que passa rasteiras, fazem de um tudo para nos tirar do sério para quem ainda é tão inocente. Ninguém falaria que as poderosas (simbolizadas por rainhas) costumam querer tudo simplesmente porque tem um lugar de destaque no reino, nem que órfãos estão sujeitos a bondade do mundo para que o sofrimento de não ter os pais por perto seja menor. A Punk mostrava muito bem isso, bem como o desaventurado Chaves. O Rei Leão colocou todos para chorarem quando morreu e deixou Simba filhote, um pouco da dor pela qual quase todos vão passar um dia.
Os Sete Anões provam que existe gente de todo jeito em uma família ou grupo, zangados, felizes, alérgicos, dorminhocos e que quanto todos estão juntos podem fazer um ótimo trabalho e viverem bem. Tá, quase todos os contos terminam com um irreal “felizes para sempre”, principalmente entre príncipes e princesas. É a parte mais mentirosas da história, eu concordo. A felicidade existe, desaparece, volta, num esconde-esconde eterno. Mas, é muito cedo para deixar os pequenos com o coração partido no fim de uma história. O jeito é deixar Picasso, Munch e tantos outros artistas os surpreenderem anos mais tarde com o que dói pintado, escrito e emoldurado em outras artes de uma forma que a maioria não consegue enxergar: bonita, mesmo quando triste.