Histórias do cabeludo
Foi de pequeno, aos seis anos, que Julinho descobriu querer não ser igual aos outros. O pai, Alonso, cortava o cabelo dos oito filhos homens com topete, sabe-se lá porque, como se comprasse algum item por atacado e tivesse desconto. E o menino, uma vez, tomou coragem e clamou contra a vontade do pai:
— Topetinho não, pai.
O pedido em tom de súplica soou como silêncio. Talvez o pai quisesse formar uma banda, alguns já mostravam talento com música e as duas meninas tinham uma voz bonita. Pelo que contam, formar um time de futebol dos topetudos também poderia estar entre os motivos. Música e futebol eram as duas paixões daquele pai e faltavam só três homens. Com algumas tentativas, com certeza a Ritinha lhe daria um centroavante, zagueiro e goleiro para completar os 11 titulares.
Pode ser também que o Alonso pensasse em deixar as crias parecidas, como quem decora a casa, sem que um destoe do outro. Afinal, ainda estão para inventar um objeto de decoração que supere a beleza das crianças no lar. E “pareadinhos” eles foram ao salão por anos, sempre no mesmo dia e saíam oito topetudos, voltavam para a casa e a deixavam mais bonita.
O engraçado é que antes disso, com uns três anos, deixaram o cabelo do menino crescer. Quem vê a foto hoje até acha que Julinho era uma menina, até chuquinha faziam. Ele cresceu e o topete só serviu enquanto o pai marcava tudo. Aos quinze pôde deixar as madeixas crescerem, queria se livrar do tal topete com algo bem diferente. Tá certo que na época muito homem fazia sucesso com cabelos abaixo do ombro, era moda. Só que nem as décadas e o mandamento de que eles deveriam usar cabelos curtos fez parar de crescer o cabelo do Julinho.
Certa vez, o chefe disse que a promoção dependia da tesourada nos fios. Ele resistiu, o gerente por vezes falou sobre o cargo e salário melhor com o cabelo curto, mas a força parecia vir dali, tal como Sanção e ele não cortou. A escolha foi acertada, já que o chefe viu que a cabeleira encaracolada era parte da personalidade que todo mundo admirava.
Depois ele cismou de ir construir estrada no Iraque e fez uma promessa: enquanto não voltasse, o cabelo não veria tesoura, voltou muito cabeludo. Cresceu tanto que quando ele desceu no aeroporto dava inveja às mulheres que investiam em cremes mirabolantes. O cabelo passava da metade das costas.
Anos mais tarde, já com família formada, os três filhos estranharam quando ele apareceu com o cabelo curtinho. Um até chorou, não reconhecia o pai. E o mesmo chorão tentou seguir os passos na adolescência, mas os cachos não desciam, formavam uma imensa caixa de abelha. Ele não resistiu, cortou baixinho, sem topete, e deixou a marca só para o pai.
A esposa gostava tanto que toda vez que via um cabeludo na TV não se aguentava. O comentário nunca era, “que homem bonito!” e sim “Olha, que cabeludo bonitão”. De certo, os cabelos compridos eram mais que bonitos para ela.
E assim o tempo passou, os filhos cresceram, saíram de casa, a moda masculina mudou, o topete saiu e entrou na moda de novo e só o cabelão o fazia e faz se sentir mais ele do que qualquer outro visual mesmo prestes a completar 60 anos.
rsrsrs Historia legal 😉
Beijão
Você nunca decepciona com os textos. Tem a capacidade de criar crônicas de eventos corriqueiros e cotidianos, de fazer história com algo que eu nunca imaginei que poderia de fato dar um “causo”. Alonso era bem insistente, né? Mas no fim Julinho teve personalidade. Adorei, adorei mesmo o texto de hoje. Meu namorado costumava usar cabelo grande, e diz que nossos filhos (rs) também o terão. Nada contra, acho bem bonito na verdade! Vou até mandar o texto pra ele ler s2
Com carinho,
Celly.
http://melivrandoblog.blogspot.com/
Aaaaah, Marcelly, que amor! Eu não conheci o vô Alonso, mas dizem que era uma figura. Seu namorado vai gostar, cabeludos normalmente têm uma personalidade incrível. Beijos carinhosos!
Hahaha! Originalidade desde sempre!
Muito bom to rindo ate agora dessa figura
Personalidade forte o Julinho