Visitante das árvores
Na visita ao Brasil meu pai voltou aos jardins que fez. Arrisco a dizer que visitou mais árvores do que gente. Em nossos itinerários por Martinho Campos e arredores muitos foram os desvios para sítios e quintais. Mas ele alegrou-se menos vezes do que eu esperava. Pela fresta dos portões e cercas, viu muito do que não queria. Faltava água para algumas plantas, outras foram arrancadas, podadas incorretamente. Em todas as oportunidades que teve chamou atenção dos donos daqueles jardins.
Ser jardineiro da forma que meu pai foi era como ter um filho no ventre esperando o nascimento para ser entregue assim que nascesse. Às vezes até antes. A semente mal germinava e ele já partia para outras terras preparar mais flores antes que desabrochassem as que havia acabado de plantar. Assim, o cuidado ficava para o dono do jardim, mas meu pai se sentia parte delas, responsável pela florada.
Quando morava em Ibitira ainda havia a possibilidade dele voltar para fazer as podas e todos os outros procedimentos para o jardim ter mais vida. Mas entre a criação dos canteiros e a manutenção restava a confiança de que o cliente iria regar, prestar atenção às condições climáticas, adubar e até conversar com as mudas, em alguns casos é o que falta para vingarem. Lá em casa há várias plantas que só floresceram depois de muitas prosas.
Depois da mudança os jardins ficaram longe dos olhos e mãos desse jardineiro. É, porque mesmo sem contratarem-no para fazer a manutenção ele cuidava dos jardins ao chamar atenção, sem cerimônia. Como em Ibitira e região tudo é pertinho ele era vigilante. Os clientes eram amigos e ele ainda mais amigo ainda das plantas, não pensava duas vezes em firmar a voz grave que tem para fazer os donos dos jardins darem a atenção que o verde precisa.
Eu tenho ido pouco à Ibitira e região, exatamente porque faz muita falta encontrar meu visitante das árvores ali. Dá uma pontada de saudade mais aguda ver a casa sem os arranjos que fazia com folhagens e flores recém-colhidas. Umas plantadas por ele, outras pela minha mãe e que mesmo depois de ela ter partido meu pai cultivou. E assim aquelas flores sorriam pra mim, enfeitaram a ausência, coisa inimaginável, mas um jardim brotou no terreno da falta diversas vezes quando eu via aquelas flores.
Herdei um pouco do olhar crítico para as árvores do meu pai, do carinho que minha mãe teve por elas. Fico numa felicidade meio boba ao saber o nome de árvores comuns, lindas, mas pouco valorizadas como as escumilhas africanas. Só sei porque andar com meu pai é como ler um livro de botânica. As plantas são admiradas, têm o nome falado em alto e bom som. Eu gravei o nome de todas e falo toda orgulhosa quais são, me exibo como quem decorou as capitais de todos os países e estados ou até ganhou dinheiro na loteria. Também sei como algumas devem ser cuidadas. E quando não, tiro uma foto, mando pra ele e trato logo de descobrir como chamá-la e porque está tão bonita.
Tarda nada eu tocar o interfone das casas e começar a chamar atenção de quem deveria cuidar das árvores. Verei os responsáveis na rua e vou falar dos parcos conhecimentos de jardinagem que tenho, suficientes para fazer tudo ficar mais colorido. Uma vez vi uma frase, de Machado de Assis em Quincas Borba, que nunca saiu da minha mente, ficou tatuada em meu espírito:
“Para as rosas o jardineiro é eterno”.
Se Machado tivesse conhecido meu pai, diria que o contrário também é verdade.
“Para o jardineiro as rosas são eternas”.