Amigos e o dom de congelar o tempo

Amigos e o dom de congelar o tempo

A amizade faz o tempo parar a corrida vida adulta. Os encontros ficam mais espaçados, porém para o que muda a vida, amigo tem hora, congela os ponteiros, se senta na mesa como se a agenda ainda fosse de adolescente, com mais espaço para frases do que afazeres. Mesmo que se tenha que adiar tarefas, quando um amigo diz que precisa encontrá-lo, é o certo a se fazer, largar tudo, aceitar o convite.

Eu quase deixei para lá um encontro desses. Soou inicialmente como um encontro para “botar o papo em dia”. É claro que uma das coisas que mais gosto é prosear, mas o tempo parecia estar contra mim naquela quarta-feira. Meus outros amigos também estavam se equilibrando nas 24 horas, ninguém podia chegar antes de oito da noite. Convenci-me de ir quando fui avisada de que minha presença era essencial, que eu entenderia quando chegasse lá.

Fui. O clima era diferente do tempo em que os happies hours eram muito comuns e os copos de cerveja ou qualquer outra bebida com álcool a única opção para depois do trabalho. Mandioca, carne cozida com gordura, torresmo, nosso corpo aceitava sem armazenar em forma de gordura, uma dádiva de quem não beira os 30 anos. A manhã seguinte com um alarme insistente não nos assustava também e algumas vezes fechamos bares.

Quando cheguei todos estavam com copos de suco de laranja já vazios sobre a mesa. O cardápio era analisado com cuidado para escolher a opção mais saudável. Os assuntos eram o dia a dia e lembranças das bebedeiras anteriores. Um tempo bom, leve e com a  disposição também característica dos 20 e poucos anos.

Esperamos por um amigo que ainda estava no trabalho antes de saber o real motivo da reunião. Até então o tom do encontro era mesmo de atualização sobre a vida dos colegas, a não ser pela expectativa do que seria anunciado. Quando o último da turma chegou ficamos sabendo que o Ricardo se casaria. Notícia que é muito comum nesta idade.

Celebramos com selfies, boomerang e abraços sem brinde com cerveja.

O que ficou daquela noite é que a idade muda a rotina, o que é preciso fazer. Agora é a vez da alimentação, da carreira… Mas tem algo que permanece: queremos os amigos por perto quando sabemos que vamos dar um passo maior.

Até acredito que o tempo vai apagar a importância de muitos acontecimentos daquele dia cheio de tarefas, nem me lembrarei daqui a uns anos de 90% do que fiz, mas com certeza nunca me esquecerei que fui convidada para o casamento do Ricardo. É assim que a memória funciona, só armazena com detalhes o que realmente mudou tudo, com quem amamos por perto, seja com cerveja ou copos de suco de laranja sobre a mesa.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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There is 1 comment for this article
  1. Denis Alves at 11:03

    Muito bom o material e assunto do Blog. São linhas de raciocínio que aí mesmo tempo que fazem a gente pensar, tranquilizam a mente por observar valores que sendo desenvolvidos, fazem a vida melhor.
    Parabéns Talita!

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