Fiapo
Eu tenho a impressão de que pouca coisa é tão presente e frequente na vida quanto a morte. E mesmo assim a gente cria uma relação tão distante com ela.
A reflexão começou a brotar de novo porque um amigo morreu há uma semana. E a gente sempre se choca bem mais com a morte na juventude, né!?!
Não é novidade nenhuma que a morte é assimilada sempre com o desgaste, com o envelhecimento.
A verdade é que a gente não passa de um fiapo de vida, que pode arrebentar a qualquer momento. A vida é um turbilhão. São milhões de células se multiplicando a cada milissegundo, incontáveis reações químicas acontecendo ao mesmo tempo, fora as possibilidades infinitas nas pontas dos dedos.
E tudo isso pode terminar num susto. Tudo isso pode simplesmente parar de um segundo para o outro. Basta um vírus, um acidente, basta – literalmente – um tropeço.
A gente esquece – ou prefere não lembrar? – que a vida é tão frágil quanto uma casca de ovo. E segue vivendo como se carregasse uma fortaleza no corpo. Uma fortaleza que pode não resistir ao estouro de um balão de aniversário.
Cê poderia esperar que eu fosse dizer, então, que nós devêssemos “não deixar para amanhã o que podemos fazer hoje”. Só que não, porque isso é um engodo, um engano. Nós não damos conta de fazer tudo hoje. Nós mal damos conta de fazer uma coisinha de nada hoje, o que dirá tudo. Porque, para não deixar para a amanhã, tem que ser tudo!
Pode parecer até pessimista – eu acho o contrário –, mas pra mim a gente tem que fazer hoje o que dá pra fazer hoje. E da melhor forma possível! E isso inclui dar atenção às pessoas.
“Ah! Mas ele morreu e eu não tive oportunidade de tê-lo perdoado, ou pedido desculpas, ou feito uma última ligação”. Sim. Acontece. Paciência. Eu nunca vou conseguir fazer aquele última ligação pra todo mundo.
E aí eu faço o quê? Vou sofrer pra sempre com a angústia de pensar que não vou conseguir superar essa limitação – que nada mais é que uma limitação de vida?
Ou vou aceitá-la, lidar com ela, viver apesar dela? “Mas isso é muito racional, querido. Onde ficam os sentimentos nisso tudo?” Oras, ficam aqui. Eu não disse que é simples.
Acontece que, confortável ou não, é a escolha de uma angústia pela outra. A angústia do inevitável – não conseguir fazer a última ligação – ou a angústia da aceitação – não consigo sempre fazer a última ligação.
Eu ainda não sei dizer quão saudável é a minha relação com a morte, mas admitir que ela pode estar ali na próxima esquina me ajuda a entendê-la um pouquinho melhor.
Admitir que a gente não passa de um fiapinho de vida, que num espirro – literalmente – pode se desfazer faz perceber a beleza dela. Ou cê vai me dizer que não consegue imaginar nada mais tão frágil e igualmente sublime? Pensa aí!