O mundo na vizinhança
Fátima foi uma jovem passeadeira. Fez viagens extraordinárias, e quando não podia ir longe caminhava perto de casa com o olhar de quem queria descobrir um mundo novo por perto. Fazia visitas ao interior e até exterior para ver velhos amigos ou parentes. Parecia que nem o avançar dos anos a impedia de pelo menos meia hora por dia viajar na vizinhança. Era o que ela e os filhos pensavam. Fátima passou os 90 com muita disposição e pensava que ia até o fim passeando para qualquer lugar até que ela caiu na própria casa.
– Dona Fátima, a senhora quebrou o fêmur. De agora em diante terá que… – tentou orientar o médico.
– Já sei, terei que ficar sem arrumar a casa, não é? – perguntou.
– Também – evite ficar muito tempo de pé e serviços que podem colocá-la em risco. Descanse, dona Fátima, descanse – recomendou.
– Posso caminhar meia horinha na Raul Soares – falou.
– Não, a senhora está proibida. Nos próximos 3 meses, inclusive, nada de colocar o pé no chão.
– Tá bom então – disse com uma carinha triste.
A rotina de dona Fátima foi transformada. A filha Lili, de 60 anos, mudou-se para a casa da mãe. Contrataram uma empregada e Lili ia a todos os lugares para evitar que a mãe andasse. Nos dois primeiros meses foi mais simples, ela não conseguia andar mesmo. Depois, as pernas voltarão a ter firmeza e ela olhava para a Praça Raul Soares, onde morava, com lágrimas nos olhos. Ver os álbuns das viagens também era difícil. Agora ela só podia ficar em casa, naquele prédio no coração da capital de Minas Gerais. As reuniões das quais ela participava com os amigos do clube da terceira idade foram canceladas – ela estava impedida de ir até o local.
Reviravolta
Em um belo dia de sol, perfeito para um passeio na praça, dona Fátima teve uma ideia. Aliás, duas!
– Se não posso ir me encontrar com o pessoal do clube da terceira idade posso convidá-los a vir até aqui. E tem outra: posso visitar meus vizinhos aqui no prédio, de elevador – pensou logo em seguida e falou com a filha.
– Boa ideia, mamãe – temos umas 20 casas para ir e reunir o pessoal em casa vai ser ótimo – concordou, Lili.
Daí em diante, Lili começou a ligar para os amigos e começou a preparar o cardápio. Ficaram bastante ocupadas. No dia do encontro, colocaram vinis para tocar e houve quem dançasse muito. A canjica foi eleita prato principal dos encontros. Eles sorriam, se emocionavam e relembravam tudo que aconteceu de bom na vida. Falavam um pouco das dificuldades também, porém com bem menos ênfase do que do que nos acontecimentos bons.
Na manhã seguinte, Lili e Fátima colocaram tudo que havia sobrado em vasilhas e saíam de apartamento em apartamento. Trocavam bons dedos de prosa e acabaram se tornando as avós de todo mundo do prédio.
Alento
Lili e Fátima foram alento para quem precisava, principalmente para aquelas que moravam longe dos pais, irmãos, da terra. Um dia, elas ouviram um choro sentido, do terceiro andar. Encontraram uma jovem de 20 anos aos prantos pela partida do namorado – ele ficaria um ano fora do país.
– O que foi, menina? – perguntou Lili.
– Meu namorado vai pros Estados Unidos, ficar um ano lá, estou muito triste – respondeu a moça.
– Viemos porque ficamos com medo de ter acontecido algo com sua família, não podemos deixar ninguém desamparado. Porém, vamos conversar sobre este amor que está distante seu, mas que vai voltar.
E a conversa continuou até que a garota enxugasse as lágrimas e se sentisse mais forte para encarar a saudade. Lili e Fátima a abraçaram como neta e a deixaram a vontade para procurá-las sempre que precisasse.
Descoberta
Dona Fátima descobriu mais do que se tivesse viajado naquele mundo da vizinhança. Costumava dizer que ao visitar os vizinhos do prédio conhecia várias histórias, perfis. Tinha mais do que fotos de paisagens para ver depois – todo carinho de quem morava ali. E em pleno ano de 2015, em Belo Horizonte, devolveu o sentido de um velho ditado: “vizinho é o parente mais próximo”. No caso dela e de Lili, muito queridas pela vizinhança também.
Lindo texto, que aprendizado!