O papagaio que imitava galinha e disparou um palavrão

O papagaio que imitava galinha e disparou um palavrão

Hugo era um papagaio diferente e igual a todos os outros. Os donos custaram a entender, só quando o bicho começou a imitir galinha e passarinho é que os motivos para ele demorar tanto a falar começaram a ficar claros. É que a ave falante aprende por repetição, porém na casa de Maurício, David e Edineia o silêncio reinava porque Edineia deixava David na escola de manhã, trabalhava o dia todo, assim como Maurício. Apenas a noite se ouvia conversas, no restante do tempo só no galinheiro e árvores é que havia som. E claro, nenhum papagaio aprende a falar sem escutar.

As únicas palavras que saíam do bico dele eram “quê foi fio” e “paiê”, já que Maurício respondia aos milhares de chamados do filho depois que chegavam em casa. E isso com muito custo, após um ano e meio na casa da família. Um dia ele cantou tanto de galo e começou a imitar sons desconhecidos, uma verdadeira lereia, enquanto Maurício e Edineia recebiam amigos em casa. Nem o “paiê” e “quê foi fio” saíam. David ficava cabreiro. Na escola todo mundo contava histórias de papagaios que cantavam músicas inteiras, hinos dos times do coração, rezavam. O dele não, só sabia cacarejar e imitar animais que nem ele sabia quais eram.

No dia da farra o povo ficou tão invocado com o papagaio que ele quase virou tira-gosto. David, mesmo decepcionado com o desempenho de Hugo, evitou a tragédia. Pegou um pedaço de galho e colocou no bico do papagaio. Aí ele se distraiu com o brinquedo e pensou ser um agrado, em vez de mordaça, ficou feliz.

Só que a lereia do papagaio fez David pensar no que poderia fazer para mudar a história.

Comprar uma pílula falante?

Colocá-lo em uma escola de papagaios?

Ah, não era possível. Daí pensou na avó. Ela ficava em casa o dia todo e mesmo sozinha cantava o dia inteiro, orava em voz alta, conversava no telefone. Pronto! Conversou com o pai, a mãe e a vó nunca havia conseguido negar nada pro menino. Hugo seria uma companhia também.

Levaram o papagaio pra casa da Rosa. E ela toda empolgada cantava: “o cravo NÃO brigou com a rosa, debaixo de uma sacada…” 

Cantou dias inteiros por meses, mas o papagaio estava mais calado do que antes. Desaprendeu até a imitar as outras aves, galinhas e pardais. Dona Rosa ficou tão pé da vida que começou a falar muitos palavrões, logo ela que ia à igreja sempre e ensinava que era muito feio falar nome feio.

Um tempo depois, o filho mais velho foi lá visitá-la. Achou o papagaio bonito e ela disse:

– O problema, filho, é que ele não fala nada.

Aí o papagaio soltou:

– Tomar no **** com esse papagaio também, bicho lazarento!

– Olha só, agora cê aprendeu, né? Se fosse pra falar isso era melhor ter ficado com o bico fechado o resto da vida, uai.

E nunca mais Hugo ficou calado. Quando alguém de fora, sem ser da família, ia na casa da Dona Rosa, ela o prendia. Com raiva, ele soltava os palavrões. Se alguém percebesse, a vó do David falava:

– Não é aqui, você por acaso já me ouviu falar palavrão? Papagaio só aprende o que o dono fala muito. Nem papagaio eu tenho.

E assim Hugo viveu, enclausurado quando podia expor o que havia aprendido.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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