Saudades: sempre no plural
Fosse eu gramática renomada, convidada para a reforma ortográfica, seria dura ao definir a variação de saudade. A palavra no singular não existiria mais, decretaria saudades como certa, sempre plural, ponto. É um cheiro, vários momentos, a voz, a pele – saudades são um monte de ausências que insistem em fazer o coração pulsar, ora com dor, ora com riso, tão plural quanto nós.
Uma vez li que saudades é um vazio cheio de tudo. Eu não me atrevo a ser mais precisa ou plural, olha o tanto que cabe nesta palavra, neste sentimento… Saudades chegam por causa de uma data, por causa de um rosto, um cabelo, um prato de comida.
Saudades chegam por caminhos variados, sem cerimônia, são plurais até no caminhar. Quando vejo já está ali. Às vezes tomam todo dia, noutras transportam para o passado, têm aquelas que vão embora rapidinho, vêm de passagem. Umas gostam de ir para o futuro, são capazes de fazer sentir a ausência até do que não se viveu, mas que se a pessoa estivesse faria parte ou seria possível.
Saudades são tão plurais que nem sempre são tristes. Às vezes vem pra deixar o dia melhor, também as chamamos de lembrança boa, recordação feliz… De repente, no meio da rua, dou gargalhada, olho o poste e abro um sorriso. É tão plural que também se transforma, pode acontecer de a recordação terminar com choro, esquisitamente sem ser ruim…
Saudades são diversas, tem nem jeito de ser singular. Saudades só se diz em português, mas todo mundo sente. E quando acho que já conheço todas, vem uma nova se apresentar pra mim. Umas estranhas, outras gostosas, tristes, alegres, de lugares, coisas e pessoas, inesperadamente ou mais do que esperado.
Saudades mais se sente do que se explica. Mas de uma coisa eu tenho certeza: não tem jeito de ser singular. Saudades é um amontoado de tudo que se amou e nunca vai embora por completo, nunca é uma só.
Voltei pra ler de novo. Sempre tão bom :))
Esta crônica é uma das minha preferidas também, Delcius 🙂