Crônica bêbada

Tem dias que o pensamento impaca. Mas uma pedra é só uma pedra, como diria Drummond, se não se tem amigos e cerveja. Na mesa de bar, sentimentos profundos podem aflorar ou ideias sem pé nem cabeça aparecerem. Algumas são dignas de publicação, outras a gente torce para a aminésia alcoólica levar e a embriaguez não dar coragem de escrever. Ressaca textual é tão ruim quanto ressaca de vinho, não há água que dilua. No entanto, pedra não é só pedra, seja a ideia boa ou ruim.

Porém, eu garanto que nem tudo que o álcool traz é idiota, banal. Às vezes, eu levo é um porre de realidade. O copo de cerveja não é fuga e sim realidade. Um encontro que mostra a vida como ela é. Uma porrada dessas que não esqueço. Acredito que o inconsciente tome forma e esfrega o que a alma sente. Dói, mas passa, a gente tem o crédito da bebice e finge que não é nada demais, prefere deixar que um psicanalista diga o que é real.

Eu já vi segredos e fragilidades reveladas na mesa de bar. Claro, já vi muita lorota também, embora com um fundo de verdade. E como nem tudo é para ser levado a sério na vida, a maioria, na verdade, digamos que é da existência humana mesmo. E que seja. Não, tal crônica bêbada está longe de querer que o alcoolismo seja normal, a solução, mas uns goles de cerveja não fazem mal. Quer dizer, podem fazer, desde que quando sóbrio a dor também exista e não se encontre o remédio certo, mesmo que escondida. Uma hora ela tinha que  aparecer. Mas eu garanto, o riso vem também. Às vezes sem sentido, mas leve. Uma pedra deixa de ser uma pedra, tem o peso da brisa.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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