Nada pela metade
Hoje sorri ao ver as flores bordadas pela minha mãe e pela minha avó. Minha mesa ficou mais alegre ao receber a toalha que as duas fizeram para mim. Minha avó a recebeu depois que minha mãe partiu e disse que faria uma flor por dia até completar os quadradinhos, me entregou no aniversário de 90 anos dela. Na verdade, quando ela me contou, eu nem sabia que minha mãe estava fazendo o foro para mim. Eu sabia do jogo de banheiro, dos tapetes, de algumas peças para a cozinha, mas sobre a toalha ela nunca havia comentado. Foi uma surpresa muito boa, entendi como mais um presente deixado por ela, embora eu quisesse recebê-lo em mãos.
Por causa da quantidade de peças a serem terminadas, uma vez ouvi: “Coitada da Neuza, deixou muita coisa pela metade”. Na época eu nem tinha condições de concordar ou discordar, porém, a medida que minha vó e as amigas da minha mãe entregavam tapetes, jogos de banheiro, caminhos de mesa, eu entendia que ela não deixou nada pela metade. Ela deixou dezenas de coisas para que a gente continuasse.
E os bordados eram apenas alguns dos pertences em sinal de que era preciso ir em frente. Não tenho dúvidas de que o maior legado recente era o trabalho que ela fazia com as crianças na escolinha. Ela os ensaiava para teatro, canto e até futebol, minha casa era um verdadeiro entre e sai de meninos e meninas que a chamavam de tia Neuza. Também deixou uma lista com todos os compromissos que tinha, até de um novelo de linha que havia pegado emprestado para devolvermos, exemplo de integridade.
Dói muito prosseguir, entender que a vida continua, ainda mais que a ausência de um muda a todos e às vezes é difícil conviver com uma pessoa bem diferente antes do luto. Porém, quando ela perdia amigos ou familiares sempre falava que a vida continuava e mostrava força para continuar. Por isso, acredito que como ela não estaria aqui para dizer isso, deixou que eu visse com meus olhos que ela queria a continuidade e coragem de mim.
Hoje faz exatamente dois anos que falei com ela pela última vez. Até conversei quando ela estava no hospital, mas por causa do coma e dos aparelhos (quando acordada) ela não podia responder com palavras. Foi doído ver “1 de agosto” no meu celular quando acordei e as boas vindas que várias pessoas deram ao mês, mas foi ótimo tirar a toalha de mesa que ela deixou para que alguém completasse e deixar a mesa posta com ela. Esses dois anos têm sido assim: alguns momentos em meio a lágrimas sem esquecer que é preciso continuar. Continuar a minha vida, continuar o que ela deixou.
É isso aí, tem uma frase que tenho repetido como um mantra: “siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”.
Admiro muito a sua força, não só por essa superação, mas diante de tudo na vida, Andi!