Vizinhança desajustada

Se eu morasse em uma casa, e não no terceiro andar do prédio, mal poderia imaginar como é o quintal dos meus vizinhos. Provavelmente, apenas ouviria o cantar dos galos, o pio dos pintinhos e cacarejar das galinhas. De princípio, estranhei por um galinheiro tão grande estar em uma cidade média como Divinópolis, com seus mais de 220 mil habitantes. Mas com a convivência a estranheza foi por outro motivo.

Quando eu morava na pequena Ibitira, usavasse a expressão dormir com as galinhas para quem ia para a cama cedo e acordar com elas para o hábito de madrugar, assim que o galo cantava. Claro, antes do raiar do sol. Só que a minha vizinhança avícola canta o dia inteiro, 5h da manhã, 8, meio-dia, 20h. Os cacarejos e pios também varam a madrugada.

Não sei se foi a mudança delas para a cidade ou o quê. O certo é que o velho ditado ficou, na prática, desatualizado. Claro que permanecerá por causa da tradição, mas nem existiria se as galinhas e galos já tivessem com os hábitos atuais. Às vezes, me debruço na janela e flagro uma galinhazinha dormindo às 3 da tarde, horário que deveria estar ciscando, penso.

Estão desreguladas. Não se fazem mais galinhas como antigamente. Pelo menos as da minha vizinhança são diferentes. Apresentam-se bem agitadas e de vez em quando o canto do galo até invade uma conversa por skype. Daí, a pessoa se espanta: “Que isso, um galo?”. Conto como é a rotina deles e morrem de rir. Para outros soa nostálgico, já que é raro ver um galinheiro hoje e escutar os sons típicos da roça.

Eu não me sinto incomodada. Vejo até como um presente poder vê-las a ciscar e principalmente me sentir um pouco mais no interior de Minas, aqueles, típicos. Porém, a curiosidade para saber o que se passa no quintal ao lado para que elas façam tanto alvoroço não me deixa. Elaboro as mais diversas explicações. Talvez elas gritem contra os carros que passam em alto som ou é uma revolta contra as sirenes, buzinas e tantos outros ruídos urbanos. Na língua delas, um desespero para morar na fazenda.

Nunca vou saber, mas não quero que se mudem, nem que fiquem mudas. Podem continuar a festa galinácea. É tranquilizador escutar bicho de sítio quando se trabalha em casa o dia inteiro, sentada, mas correndo contra o tempo. Me transporto para o quintal da minha primeira casa em Ibitira, em que elas viviam, embora com outra rotina. Sinto-me na minha terra e trabalho sorrindo com as boas lembranças de um tempo que elas eram o meu despertador.  E ainda bem que cantam nos mais variados horários, pois hoje, com a preferência pela noite que tenho, jamais ouviria um galo no horário habitual.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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